VALTER CAFFER

terça-feira, 17 de abril de 2012

INOCENZZO CAFFER

                                              



                                                         Em 1865, em Villesse, Itália ( que antes era território anexado pela Áustria), VALENTINO CAFFAR, casado com Lucia Sandrin, tiveram um filho que chamaram Domenico Caffar. Dez anos depois, em 1875 o irmão de Valentino Caffar, GIOVANNI BAPTISTA CAFFAR, casado com Caterina Gerin tiveram o filhos Inocenzzo Caffar, depois em 1878, nasce Franchesco Caffar.
                                                  Ocorre que logo após o nascimento de Domenico Caffar, morreu a sua mãe Lucia Sandrin, e algum tempo depois VALENTINO CAFFAR casou-se com a irmã de sua cunhada, MARIA GERIN. Desse segundo casamento de Valentino nasceram mais filhos: Marco em 1873, Pietro, em 1877, Maria em 1881, Eliza em 1882 e Valentim em 1884.
                                                   Quando o filho caçula do casal tinha 9 anos, morreu o pai VALENTINO CAFFAR, e Maria Gerin ficou viúva com os 5 filhos, e mais o enteado Domenico.
                                                    Em 1887 imigraram para o Brasil os primeiros integrantes da família Gerin, liderados por Antonio Gerin, irmão de Maria Gerin esposa de VALENTINO, e de Caterina Gerin, esposa de GIOVANNI. (Ou seja, irmão das duas esposas dos irmãos Caffar). Depois em 1891, vieram mais alguns integrantes da mesma família, inclusive a mãe de Maria Gerin, então com 72 anos de idade.
                                                    Em 1895, diante das dificuldades vividas na Europa, MARIA GERIN veio para o Brasil ao encontro desses familiares que já viviam aqui, e com ela trouxe os filhos, o enteado e os sobrinhos Inocenzzo, e Franchesco. Vale lembrar que Inocenzzo e Franchesco eram primos dos filhos de Valentino Caffar, por parte de pai e também por parte de mãe, já que eram dois irmãos casados com duas irmãs.
                                                     Essa é a história da chegada de nossa família no Brasil. O desembarque ocorreu em Santos/SP, no dia 04/04/1895, e são os seguintes os membros de nossa família:

MARIA GERIN – (que veio à procura dos irmãos Antonio e Carlos, e
                             de sua mãe).
DOMENICO CAFFAR  (Domingos Caffer)
PIETRO CAFFAR (Pedro Caffer)
VALENTE CAFFAR (Valentim Caffer)
MARIA CAFFAR
ELIZA CAFFAR
MARCO CAFFAR (morreu logo em seguida)
MARIA VIOLA (esposa de Marco, que depois casou-se com
                          Domingos Caffer).
INOCENZZO CAFFAR (Inocêncio Caffer)
FRANCHESCO CAFFAR (Francisco Caffer).










            A princípio pensei em escrever uma pequena história de ficção, tendo como personagem central o meu bisavô materno Inocenzzo Caffer; tão poucas e      imprecisas eram as informações sobre a vinda e a vida  desses imigrantes. Ninguém em minha família sabia ao certo quando e em quantos os Caffer vieram ao Brasil. Minha mãe, e meus tios mais velhos, que conheceram Inocenzzo afirmavam que a princípio vieram ele, Inocenzzo, o irmão Franchesco e o primo Valentim. Numa busca pela internet encontrei diversos descendentes dos Caffer, entre eles, de Domenico e Pietro Caffer, que supostamente haviam vindo após aqueles já citados. Passei a procurar informações com esses parentes, e então a história se tornou mais clara e evidente, proporcionando que eu escrevesse fatos quase sempre reais. Obtive excelente ajuda entre outros, das primas Célia, Elaine, Lourdes e dos primos Rodolfo e Rodrigo (casinha feliz), que já haviam levantado muita coisa a respeito da família.
              Dessa forma, e com documentos obtidos junto a esses parentes, chegamos à conclusão que no vapor     “Attivittà” em 1895, vieram dez integrantes da família, possivelmente liderados por Maria Gerin, madrasta de  Domenico, e mãe de Pietro, Valentim, Marco, Eliza e Maria. Inocenzzo e Franchesco acompanhavam os primos. Segundo pode apurar no site Memória do Imigrante, Maria Gerin, que enviuvara na Itália veio ao encontro de outros parentes que já se encontravam no Brasil, pois constam diversos registros de famílias com o mesmo sobrenome que imigraram da mesma região de 1887 até 1891.
                  A vinda e a adaptação de nossa família em solo brasileiro foi bastante difícil, desde a assimilação de um novo idioma, até as bases da alimentação e costumes. Essas dificuldades aliadas a outros acontecimentos históricos importantes com a primeira grande guerra, a geada de 1918, a crise financeira de 1929 e as revoluções de 1930 e 1932, tornaram essas pessoas mais rudes e severas na condução de suas vidas e de suas famílias. Eram pessoas predestinadas ao trabalho duro e se entregaram a ele com toda a obstinação de quem busca um sonho quase impossível.
                  Num levantamento aproximado, concluímos que daquelas dez pessoas que desembarcaram em 1895, não obstante a perda prematura de Marco Caffer, e o celibatário estado de Franchesco, a família Caffer conta hoje com aproximadamente mil pessoas, espalhadas pelos mais diferentes lugares, com uma grande maioria no Estado de São Paulo, nas regiões de Bebedouro, Marília e São José do Rio Preto.
                   É muito lamentável tanta gente, saber tão pouco sobre seus antepassados. Muitos primos mais jovens que indaguei não sabiam sequer o nome do próprio bisavô. Dessa maneira precisei focar muito a história em Inocenzzo Caffer, meu bisavô, de quem obtive muita      informação através de seus netos, meus tios. Todos os fatos aqui narrados sobre sua vida são reais.
                         A respeito dos demais protagonistas da história, fica muito difícil um levantamento de fatos reais. As mulheres ao se casarem perderam o sobrenome Caffer, e seus filhos, nossos primos, ficaram praticamente anônimos em nossa volta. Quanto aos demais homens da família (Domenico, Pietro e Valentim), pude levantar alguns dados sobre suas famílias e de alguns locais onde viveram, sem muitos detalhes, sem dados suficientes para se ter um perfil mais rico desses personagens.
                        Minha história é absolutamente amadora e familiar, e tem por objetivo apenas guardar um pouco daquilo que representaram nossos antepassados. Nesse enfoque, como em tudo o quanto tenho escrito em meu blog    (caffervalter.blogspot.com), tudo pode ser acrescentado, modificado ou enriquecido com maiores detalhes, desde que alguém me repasse fatos ou acontecimentos importantes na saga Caffer.


                       Arrivederci,

                       Valter Caffer

                       caffervalter.blogspot.com
                       
                       valtercaffer17@hotmail.com



























                         O trem serpenteava lentamente, beirando os manguezais enquanto atravessava os canais sobre as enormes pontes de ferro pré fabricadas na Inglaterra, e que agora sustentava o caminho para uma nova vida, uma nova esperança. Caminho para uma odisséia, caminho para o sonho da América. Já deixara a estação em Santos há mais de uma hora, e só agora vinha se aproximando da muralha da Serra do Mar. Aos poucos ficaram distantes o porto e o cheiro da maresia que tanto incomodara durante a travessia do Atlântico. Agora beirava a magnitude da serra e se embrenhava no mato buscando galgar as alturas, como se fosse à conquista de uma preciosidade, de um sonho raro e distante.  Quando se inclinou subindo a primeira rampa em meio a um barulho infernal e uma fumaceira que irritava os olhos dos passageiros, o jovem Inocenzzo agarrou-se ao braço do irmão mais velho, Franchesco sentado ao seu lado e balbuciou as primeiras palavras desde que haviam embarcado.
                        -Animo, vigore, fratello, va tutto bene. (Coragem, meu irmão, tudo está bem). Depois voltou novamente os olhos para a janela, onde na mata se abriam clareiras com as árvores cortadas e transformadas em carvão que seria queimado no trem. Mal sabiam que aquela pequena viagem até São Paulo levaria mais nove horas.
                         Franchesco permanecia em silêncio, já que era mesmo mais calado e introspectivo, o mesmo acontecia com os primos Valentim Caffer ( que junto com Eliza, filha de Maria Gerin Caffar, eram os mais crianças da família no navio), Domenico, Pietro e outros,  parceiros nessa jornada rumo à América, que agora, cansados da viagem e dos últimos acontecimentos, não tinham muita vontade de conversar,  principalmente devido à saúde de Marco, que adoecera durante a viagem, e agora estava muito pálido, abatido, suando muito, recostado numa janela em absoluto silêncio, talvez dormindo. Enquanto isso Inocenzzo lembrava a longa jornada de navio... Lembrava do embarque no porto de Gênova, com amigos e parentes no cais, balançando lenços brancos, como se fosse uma despedida para o eterno. As lágrimas da mãe signora Caterina Gerin, com o rosto escondido atrás do lenço branco, que ficou estática diante do pequeno portão que dava para a rua na pequena Villesse, e o último abraço do pai signore Giovanni Baptista Caffar, que não derramou lágrimas mas por certo chorou dentro da alma. Tanta gente cheia de esperança, e tanta gente derramando lágrimas amargas de despedida. Lembrava os olhos de espanto e estranheza da jovem Arádia, a “bella ragazza” que era sua  “innamorata”, e que possivelmente jamais veria novamente. E as “belas canzones” “ as tarantelas”, que cantava com os amigos nas mesas do “ritrovo” (bar), que tantas vezes cantarolou com os olhos rasos d’água dentro do navio.
                     Depois lembrava os primeiros dias de viagem, cada qual com reações diferentes, mas todos em busca de um mesmo ideal. Todos deixaram para trás muita coisa querida, muita gente amada, e traziam os corações cheios de saudade e esperança. Marco abraçava a jovem esposa Maria Magdalenna Viola, com a qual ainda vivia a fase de lua de mel, pois se casaram logo que ele decidira deixar a Itália dia 13 de fevereiro de 1895. Contavam então com 22 dias de casados na data do embarque em Gênova. Pareciam estar fazendo a travessia do Atlântico em um mundo à parte, onde os dois eram mais felizes que todos no navio.

                        Ah! Quanta surpresa. Quanta gente diferente. Quanta coisa incerta...  Quantas mudanças bruscas a vida impunha àquele homem que vinha se preparando para alguma coisa muito maior e diferente, e à mercê dos acontecimentos, das necessidades, e das imposições, vinha ser colono no Brasil em uma lavoura de café...
                                A viagem de navio não era sequer um arremedo dos cruzeiros que atualmente atravessam o Atlântico. Pra começar não existiam navios com acomodações dignas em quantidade suficiente para fazer frente à grande massa de imigrantes que se dispunham a partir para a América. Então precisavam reservar seus lugares com muita antecedência, às vezes até 6 meses ou mais. A viagem era feita em condições muito precárias e os dias se arrastavam lentamente. Muita gente adoecia, e desses muitos morriam, enchendo de pavor os outros passageiros que temiam morrer em alto mar e virar comida de peixe. As condições de higiene também eram muito precárias, principalmente nos primeiros dias, quando os passageiros, “marinheiros de primeira viagem”, sofriam muito com o enjôo causado pelo balanço do navio, e corriam a todo momento em busca dos poucos banheiros onde vomitavam sem parar. Quando os banheiros estavam lotados (quase sempre), vomitavam pelos corredores, e aos poucos o cheiro de azedo misturado ao cheiro do mar, tornava-se insuportável. Crianças vomitavam e choravam sem parar, e as pobres mães cheias de pânico choravam junto com elas, temendo que morressem e fossem atiradas ao mar. Aos poucos foram se habituando ao mar e passaram as crises mais fortes de enjôo, mas a “paura” era permanente entre todos. Ouviam relatos dos casos de peste a bordo, onde foram dizimados um terço dos passageiros, e bem sabiam  que se acontecesse com eles não seria diferente. Por isso todos ficaram muito tensos quando Marco adoeceu, e repentinamente começou a apresentar febre alta, muito suor, e absoluta prostração. Não havia sequer um médico a bordo, e os doentes eram atendidos pelo capitão do navio, que prescrevia remédios ou injeções disponíveis na farmácia do navio, e eram ministrados pelos seus auxiliares. Geralmente diante da escassez de medicamentos eram oferecidos aos doentes apenas chás e remédios caseiros, feitos com ovos, canela, pimenta, gengibre, tabaco, e muitas e muitas rezas. 





                VAPOR ATTIVITÀ, QUE TROUXE A FAMÍLIA CAFFER AO BRASIL.



                                                    Mas apesar de todos esses contratempos e da saudade dos entes queridos e da terra amada, a vontade de vencer daquela gente era muito maior. Às vezes o céu se enchia de nuvens negras, a caiam pesadas tempestades, amedrontando a todos, depois na calmaria, avistavam um outro navio que seguia para o mesmo destino, e ambos se aproximavam, navegando lado a lado a uma certa distância um do outro. Então as pessoas se aglomeravam numa festa sem precedentes, acenando lenços brancos para os patrícios, numa enorme gritaria. Depois se acalmavam começavam a cantar, como faziam todos os dias:
                                                   
                                                       “E vanno, tanto lomtano vanno
                                             Cosa faranno, se torneranno, nessun lo sa
                                                   Negli occhi anno um veio di pianto
                                                 Lento é il tormento, mentre la nave vá
                                                          La giú nella stiva profonda
                                                        Scossati daí vuoti dell’onda
                                                        Vive ognuno il suo dramma
                                                            Ano tutti um ricordo
                                                        Tutti abblamo uma mamma
                                                       E vanno, tanto lontano vanno
                                             Cosa faranno, se torneranno nessun lo sa
                                                               Stasera il maré
                                                         Mentre bacia l’estremo lembo
                                                                 Della mia terra
                                         É grigio come il cielo, uomini donne, vechi, bambini
                                                Vanno inconro allá sorte, per nom morire
                                                                      E Vanno.”

                                                    Muita gente cantava com os olhos cheios de lágrimas, mas cada vez mais cheios de esperança.
                                                     Seguiram vários dias sem muitas novidades, e muito cheios de ansiedade, até que na última semana viveram mais um drama a bordo. Havia muita gente doente, crianças com diarréia, e a comida começou a ficar escassa. Pudera, não é nada fácil alimentar cerca de 3.200 pessoas por quase trinta dias. Nos últimos dias às vezes vinha apenas “pasta” (macarrão) e polenta.  Nesses dias a família Caffer (que ainda era Caffar), vivia um drama intenso. Marco estava a cada dia pior;  muito mal, e dia a dia, se deparavam com pessoas morrendo a bordo. Como as famílias desesperadas suplicavam que seus mortos não fossem atirados ao mar, estes eram enrolados em lençóis e colocados em um barco. Depois eram levados por dois ou três membros da tripulação sob o argumento de que ali por perto havia uma ilha, onde seriam enterrados. Dali há algum tempo o barco retornava. Isso poupava a família de ver seu ente querido ser atirado aos peixes.
 Finalmente tudo foi superado com a chegada em Santos.


                                                    Desde muito jovem na Europa, o pai fez com que Inocenzzo estudasse nas melhores escolas. Já o irmão Franchesco não era muito dado aos estudos. No vai e vem da família, devido à nacionalidade e ao fim das guerras Napoleônicas no século XIX, quando a Itália esfacelou-se, dividindo-se em sete estados diferentes, fazendo as famílias migrarem à procura de uma vida melhor. Giovanni Baptista Caffer acabou na Áustria com a família, onde Inocenzzo iniciou os primeiros estudos em Klagenfurt, depois em Salzburg, às margens do Rio Salzach, onde concluiu aquilo que seria o ginásio por aqui.  Depois, se mudaram para a Alemanha, na região de Munich, onde viveram por algum tempo, tendo o jovem Inocenzzo continuado com os estudos, e aprendido rapidamente a língua alemã. Finalmente retornaram à Itália, para Villesse, na Gorizia. Mas agora Inocenzo já era adolescente e cursara escolas da Áustria e da Alemanha, e falava fluentemente as duas línguas, além do Italiano em vários dialetos.
                                                    Alem disso, havia outra particularidade, outro segredo que Inocenzzo mantinha guardado a sete chaves. Não vinha da Itália com “as mãos abanando”, como a maioria dos patrícios. Tinha um bom dinheiro guardado em meio às bagagens, que o pai lograra guardar nos anos difíceis que recentemente haviam enfrentado. Mas não se tratava de nenhum “regalo” do pai. Ele e o irmão faziam por merecer a pequena herança conquistada a duras penas numa terra esbugalhada política e financeiramente. Trabalharam duro em qualquer tarefa, sob as mais desfavoráveis condições, desde os “vignetos” (vinhas de uvas), até o trabalho mais duro nas construções civis, afinal na Alemanha eram chamados de italianos, e agora na Itália, a terra Natal eram chamados de “tedescos, germânicos”, e ali era fluente a convicção de que “germânicos solo prestarsi a lavorare sensa posa”. (Alemães só servem para trabalhar sem descanso).  Inocenzzo foi encarregado pelo pai de trazer o dinheiro, sem que os outros parentes soubessem de maiores detalhes, afinal durante a viagem os perigos de serem roubados era evidente e claro. Inocenzzo viera encarregado de com aquele dinheiro estabelecer as bases da família Caffer no Brasil, já que logo após a vinda dos primeiros membros da família, outros irmãos e primos viriam à procura deles, para ali também se estabelecerem.  Agora no trem segurava com força o maço de liras escondido dentro da cueca, que pai lhe entregara momentos antes do embarque, sob a recomendação de que trocasse por algo mais valioso e menos perecível logo que desembarcassem. Tantas eram as idéias que lhe vinham à cabeça que por um longo tempo esqueceu-se de onde estava, e de onde vinha, e permaneceu por um longo tempo com os olhos fechados sem sentir nem mesmo o chacoalhar incessante dos vagões de madeira inglesa. (Provavelmente levada do Brasil). Até que a cantoria que agora se dava dentro do trem o trouxe de volta à realidade. O irmão e os primos cantavam com os patrícios.
                              “Buona notte, amore mio,
                                domani è il nostro giorno.
                                Buona notte, amore mio,
                                la giungla adesso há um re”.

Alegres por estarem novamente em terra todos cantavam cheios de entusiasmo, demonstrando por inteiro o espírito festeiro dos italianos. Quando estavam no mar, as canções eram cheias de esperança; agora ainda se juntava a alegria da chegada e elas se faziam muito mais alegres. Logo alguém abriu um litro de “vino rosso” (vinho tinto), e a festança foi ainda maior.
                                                             O trem que partira de Santos às seis da manhã, depois de várias paradas para dar um esfriada, agora, após o meio dia chegava à plataforma da primeira estação no alto da serra. Paranapiacaba. Os novos habitantes do Brasil olhavam para a paisagem e não entendiam bem onde estavam. Vieram ao encontro de um Brasil exuberante, cheio de verde, céu azul, e extensas áreas planas com os cafezais. Isso aqui era só serra, morros e garoa. Era só o começo de uma epopéia. As mães se preocupavam em alimentar os filhos, os homens em tomar mais alguma coisa para esquentar, até que às 13,30h o trem apitou e partiu em direção à estação do Brás. Seriam mais cinco horas de viagem.

                                                            Ah, meu Deus! Quantas surpresas mais. Achavam que chegariam a São Paulo e os fazendeiros, donos dos cafezais os esperavam para os conduzirem às fazendas. Ledo engano. Foram levados da estação do Brás, até o Hotel dos Imigrantes, onde uma imensidão de patrícios aguardava o seu destino. Aguardaram numa imensa fila, onde eram feitos os registros, sendo que a partir desse registro lhes seriam concedidos documentos brasileiros. Domenico Caffer registrou-se como chefe da família em seguida sua madrasta Maria Gerin, com as filhas Maria de 14 anos e Eliza com 13 anos, depois os irmãos  Marco Caffer, Pietro Caffer, e Valentim Caffer, então com 11 anos, todos filhos de Valentino Caffar em seu segundo casamento com Maria Gerin. A seguir os primos Inocenzzo Caffer e Franchesco Caffer, que era apelidado de Grosio, possivelmente devido à região da Itália de onde vinha, chamada Goriza, e finalmente mais uma prima, Maria Caffer, esposa de Marco, com 20 anos. Tão logo chegaram a São Paulo, Marco foi conduzido ao Hospital Emílio Ribas, a fim de ser tratado. O diagnóstico era impreciso e incerto, mas o importante era que ele sobrevivera à viagem, e agora, em terra poderia cuidar melhor da saúde. O problema era que a saúde em 1895 não era enfocada como nos dias atuais. Naquela época, ou se era saudável, ou praticamente se estava condenado à morte. Marco recuperou-se em três dias e deixou o hospital. Então foram se apercebendo de como as coisas funcionavam por aqui, mas não precisaram procurar ninguém que os ajudassem na procura por trabalho. Logo que os agenciadores de imigrantes se deram conta de que ali estavam vários rapazes solteiros, sem esposas, sem nenhuma criança, e prontos para o trabalho duro, foram  disputados como se fosse um leilão entre os agenciadores. Finalmente acertaram com um representante de fazendas da região de Jaboticabal, e seguiriam destino até a uma localidade muito nova, porém, promissora, denominada Bebedouro.  Era o início de uma outra longa viagem. Segundo os historiadores a origem do nome Bebedouro deve-se a um local por ali onde os viajantes davam de beber à tropa ou aos bois de carro.  Seria uma nascente ou um pequeno riacho.



   
REGISTRO DA FAMÍLIA CAFFER ( QUE FOI ERRONEAMENTE GRAFADO COMO "COFFOR") NO LIVRO DO HOTEL DOS IMIGRANTES NO BRÁS EM SÃO PAULO.
DESEMBARQUE DIA 04/04/1895. 





                              No Pouso - Bebedouro - óleo de Benedito Calixto


    

                                        A estrada de ferro seguia até Jundiaí,  então havia uma baldeação, pois ali se iniciava uma outra estrada de ferro, recém inaugurada, que os levaria até Rio Claro, uma nova viagem, mais longa que a entre Santos e São Paulo, porém mais rápida, devido não ser necessária nenhuma subida de serra. Dali em diante, os fazendeiros que haviam contratado os italianos providenciavam cavalos, burros e mulas, e faziam um comboio acompanhados das inúmeras carroças e carros de bois que levavam as famílias e a bagagem. Eram mais de 150 km. Onde não havia estrada, apenas caminhos. Era mais uma penosa viagem de mais de uma semana.
                                                           No grupo que seguiu para Bebedouro, com cerca de 120 pessoas, haviam cerca de dez ou doze homens jovens que não tinham família para cuidar, então fizeram uma comitiva e seguiram à frente dos demais sobre o lombo de burros e mulas. Como se desvencilhavam facilmente das dificuldades impostas pela jornada, fizeram o percurso na metade do tempo. Entre eles estavam Pietro, Inocenzzo, Franchesco e Valentim, que agora sentiam plenamente o sabor da aventura da América. Cavalgavam cheios de alegria e esperança no lombo dos ligeiros muares, e puderam pela primeira vez contemplar a exuberância da terra brasileira. Partindo de Rio Claro, primeiro se depararam com terrenos irregulares, muitos morros, que logo deram lugar a extensos cafezais, muito verdes e de uma qualidade extraordinária. Depois vieram grandes áreas de matas ainda virgens, com árvores frondosas e uma fauna simplesmente inacreditável. Ao longo da caminhada a todo momento a comitiva cruzava com muita gente que vinha em animais ou em carros de bois trazendo café dos sertões paulistas até a estação mais próxima, que era Jundiaí. Às vezes se deparavam com comboios enormes que contavam com tropas de mulas e carros de bois que caminhavam ao som de um rangido ensurdecedor. Essas pessoas que iam e vinham se falavam nas paradas para as refeições, que acontecia em locais estratégicos, geralmente às margens de um riacho de águas muito cristalinas, e trocavam as informações das quais dispunham. Os que vinham do sertão paulista, traziam informações de parentes e amigos dos recém chegados, que já estavam nos cafezais, e os que chegavam traziam notícias dos que ficaram na Itália. Os três estavam maravilhados agora com aquilo que viam. Pietro, num momento de emoção abriu os braços diante dos outros dois e gritou bem alto em meio aos companheiros:
                         “Paradizo, paradizo...”
                         “Brasile, brasile...
                          Quanta felicita.”
                          E realmente o Brasil era uma terra abençoada. Muito bonita cheia de sol, calor, e muito verde, contrastando por completo com a região da Itália de onde vinham, devastada pelas guerras, e ultimamente pela impiedosa crise econômica que levava à miséria quase toda a classe média. Claro que na Itália e na Alemanha existiam as chácaras, as hortas, enfiam as pequenas propriedades muito verdes, mas sem a exuberância das matas e dos cafezais que agora presenciavam. Valentim, com 11 anos se esbaldava atirando pedras de estilingue em todas as direções, e às vezes arriscando os primeiros tiros de espingarda ou carabina.
                                                                Em meio à bagagem traziam além de armas pequenas, como revolveres e garruchas, três espingardas cada um para a caça mais pesada.  Durante a viagem vez por outra arriscavam um tiro numa caça que afoitamente atravessava o caminho, e às vezes matavam o pobre animal. Pouco se aproveitava desse petisco, já que a pressa em chegar ao destino os impedia de fazer uma parada maior para comerem um bom assado.
                                                                Uma vez em Bebedouro, mais uma grande surpresa. Esperavam encontrar uma pequena vila encravada no sertão, mas o que encontraram foi uma cidade com síndrome do eldorado. O vai e vem de animais em meio à imensidão de carroças, e as pessoas caminhando para lá e para cá numa interminável procissão, só se comparava aos locais onde a mineração era muito rica, com toneladas de ouro sendo retiradas do solo. Daí o café ser logo rotulado de “ouro negro”. Para todos os lados brancos e negros carregavam objetos dos mais variados. Os escravos haviam sido libertos há pouco tempo, e por isso os italianos vinham em massa para os cafezais.
                                                               Na verdade para os mais esclarecidos a libertação dos escravos não era entendida como nenhum gesto humanitário por parte da coroa, mas como uma manobra política, que buscou atender ao anseio dos abolicionistas, que por sua vez tinham grande simpatia por parte das lideranças populares. Desde que a monarquia suspendeu a vinda de escravos ao Brasil em 1850, se seguiram diversos atos da coroa como a lei do ventre livre, a lei do sexagenário entre outras. Em 1888, a coroa sabia que os ideais republicanos tomavam conta das massas, e se faziam cada vez mais populares, então precisava de uma ação de grande impacto imediato que revertesse tal tendência. Era a solicitação popular de maior intensidade na época era a liberdade para os escravos, o que D. Pedro II logo tratou de fazer através da princesa Izabel. Essa história de Mãe dos Negros, e Redentora é pura balela. A liberdade para os escravos foi um ato político, visando enfraquecer os republicanos. O problema foi que o tiro saiu pela culatra, e os negros libertos passaram a defender a república frente aos monarquistas. O primeiro a mudar de lado foi José do Patrocínio que era ferrenho defensor dos negros, e depois da lei Áurea debandou-se para o lado da república. Um ano depois o Brasil acaba com a monarquia. Essa história de independência é mais uma balela.   
                                                               Sem o trabalho dos escravos os cafezais ficaram no abandono, e os grandes fazendeiros passaram a exercer grande pressão sobre o jovem governo republicano. Não existia nenhuma outra opção senão a imigração em massa de europeus dizimados por sucessivas guerras e conflitos, uma vez que os negros, agora libertos se recusavam a trabalhar até mesmo sob remuneração. A saída adotada pela república não foi muito diferente da tomada pela coroa quanto trouxe os escravos em massa. Espalhou  pela Europa onde as pessoas passavam por situação de miséria uma propaganda que senão enganosa em sua totalidade, pelo menos faltava em muito com a verdade. O governo brasileiro e de forma mais acintosa o do Estado de São Paulo espalhou a princípio cartazes pela Europa, e de depois a revista do Imigrante, onde prometiam diversos benefícios a quem viesse em busca de trabalho, como se viessem a uma nova “terra de Canaã”, onde as benesses e as riquezas lhes viriam às mãos com muita facilidade. Era uma verdadeira oferta do “bilhete premiado” a quem já não suportava a opressão e a miséria. No início da imigração, ainda antes da epopéia da família Caffer, os grandes fazendeiros tentaram submeter os italianos a uma situação bem parecida com a dos escravos. Depois aos poucos, diante da resistência oferecida e da pressão exercida pelos políticos e pela sociedade, foram oferecendo melhores condições de trabalho e de sobrevivência. Mas ainda assim a situação não era nada confortável, já que diante da maciça propaganda, os imigrantes vieram em grande quantidade, e não encontraram nenhuma infra-estrutura á sua espera. Os fazendeiros tentavam adaptar as senzalas para servirem como moradias, o que era prontamente repudiado por todos. Os imigrantes vinham em busca de sua própria terra, e os fazendeiros não se dispunham a cede-la sem cobrarem um alto preço, contrariando totalmente a propaganda governista.
                                                                No ano de 1895 essa situação começava a melhorar um pouco, e os Caffer se depararam com uma maior flexibilidade por parte dos poderosos, já mais convictos de que se obrigariam a repartir um pouco daquilo que angariavam com os imigrantes. Já tinham consciência de que o trabalho escravo era coisa do passado e que a única saída era oferecer formas de parcerias com esses novos trabalhadores. Essas parcerias eram uma maneira de justificarem a propaganda, oferecendo a terra para que a cultivassem ou para que continuassem na manutenção dos cafezais, oferecendo-lhes percentuais do produto da colheita. Esse era o sistema do arrendamento, que foi durante décadas a principal forma de relacionamento entre grandes fazendeiros e colonos imigrantes.

                                                                A família chegou a Bebedouro, e foi levada à fazenda da Onça, onde imediatamente iniciaram o trabalho nos cafezais. O começo foi bastante difícil; jamais haviam visto um cafezal na Itália, onde não haviam grandes lavouras. Tudo por lá era dividido em propriedades menores e as espécies cultivadas eram bastante diferentes. Além disso havia a preocupação crescente com Marco, que quando ia até o cafezal não era capaz de trabalhar por mais de uma hora ou duas. Logo depois teve agravado seu estado de saúde. Enquanto o resto da família trabalhava ele permanecia deitado em um pequeno rancho à beira do cafezal, onde tremia com a febre e suava muito. À tardinha quando voltavam à colônia, Marco não era mais capaz de percorrer a pequena distância sem parar para descansar a cada cem passos. Não obstante todo o cuidado que a família tinha com ele, principalmente a jovem esposa, Maria Viola que se esmerava no preparo de receitas caseiras de chás e remédios das mais variadas formas Marco estava a cada dia num estado de prostração maior.
                                                                   A saúde de Marco se tornava a cada dia mais precária. Como não obtinha nenhuma melhora, foi conduzido no início de novembro a um hospital em Ribeirão Preto, com melhores condições de atender ao doente, que veio a falecer no dia 14 de novembro de 1885. Apenas nove meses após seu casamento, e sete meses após o desembarque no Brasil, contando com 25 anos incompletos. No atestado de óbito fornecido pelo hospital constou como causa mortis “febre miliar pernicisa”; mais uma vez uma informação imprecisa, já que febre pernicisa é uma forma de febre contagiosa, e “miliar” é um tipo de febre que devastou muita gente na Alemanha no século XVII, conhecida como febre do suor. É muito possível que Marco tenha contraído alguma doença no navio, onde as condições sanitárias eram muito precárias. Também é possível que tenha sido vítima de alguma espécie de tuberculose, ou qualquer doença infecciosa não diagnosticada. A verdade é que Maria Viola perdeu o jovem esposo e ficou viúva e bonita ainda muito jovem, e a família Caffer perdeu um de seus pilares na empreitada que se iniciava.

                                                                 Mas voltamos aos nossos personagens em Bebedouro. Era o ano de 1896. Vieram agenciados para uma fazenda de café, mas eram cheios de determinação, cheios de força e vigor, cheios de alegria e esperança, e queriam a todo custo conquistar coisas muito maiores. Foram para a lavoura, onde os escravos libertados, e que agora tinham que serem contratados, trabalhavam cada vez menos, faziam corpo mole, simulavam doenças, etc. Então os italianos entraram nos cafezais como leões famintos a fim de recuperarem o tempo e os bens perdidos na Itália. Os Caffer não vinham ao Brasil na mesma situação de miséria da maioria do italianos; possuíam algum dinheiro, e logo compraram alguns imóveis comerciais na cidade. Aqui também efervescia o progresso. Da Itália vinham não só camponeses, com destino aos cafezais, entre eles se misturavam barbeiros, sapateiros, padeiros, vendeiros e uma infinidade de outros profissionais que se estabeleciam para atender à demanda da massa de trabalhadores rurais.
                                                                Com a morte prematura de Marco, a bela Maria Viola vivia choramingando pelos cantos, sempre consolada pela tia Maria Gerin Caffer, bem mais velha e experiente:
                                                                -“Ci uniamo al vostro dolore per la prematura pedita del caro Marco”, mas a vida continua Maria, coragem, ânimo. Temos que nos unir e superar a tragédia. Domenico permanecia solteiro, agora com mais de trinta anos, e foi aos poucos passando do estado de piedade diante da cunhada, ao vislumbre de vir a se juntar a ela, que era jovem, bonita, e por quem tinha grande afinidade. 
                                                          Todos vinham superando a ausência de Marco, com muita fé e trabalho duro. A cada dia Domenico se aproximava mais de Maria Viola, dando-lhe todo o apoio desde financeiro, até moral e familiar. Afinal era ele o mais velho da família, depois da madrasta, e de certa maneira responsável por todos. Maria por sua vez se sentia amparada diante da dedicação de Domenico, e aos poucos foi deixando de lado o propósito de voltar à Itália, e à casa dos pais na primeira oportunidade. Foi se apercebendo que seria melhor ficar por aqui mesmo, nessa nova família, que voltar à casa dos pais na condição de viúva. Domenico por sua vez vivia tão empenhado no trabalho e com os cuidados com a família e a cunhada viúva, que se sentia desencorajado de procurar por um casamento entre as famílias das redondezas.
                                                         Diante dessa situação, e do aborrecimento que vivam todos com a tragédia, Maria Viola, viúva de Marco Caffer, mantinha agora o firme propósito de vir a ser esposa de Domenico. Isso era mais ou menos uma história já escrita, já que Domenico também sentia grande afinidade por Maria, alem disso tinha também do desejo de dar-lhe todo amparo em memória do irmão, então decidiu-se à maneira bem italiana, por tomar a cunhada como sua esposa. Proposta prontamente aceita, com o imediato casamento dos dois.
                                                        Uma vez casados, Domenico propôs a Maria que se mudassem dali. Que começassem, em seguida uma outra nova vida. O que foi prontamente acordado pela jovem esposa. Então deixaram o restante da família e foram a uma outra fazenda de café, próxima de Sertãozinho e de Ribeirão Preto. Logo que se estabeleceram ali, nasceu a primeira filha do casal, Estefânia Caffer, e menos de um ano depois o primeiro filho homem, Bruno Caffer. 





                           Fazenda de café (Bebedouro) 1906  -  óleo de Benedito Calixto

                                                                  

                                             A Fazenda Lageado era agora o novo lar dessa parte da família Caffer. Essa Fazenda que tinha inicialmente a área de aproximadamente 5.000 hectares experimentava um desenvolvimento sem nenhum precedente com os novos sistemas de parcerias entre fazendeiros e colonos, do qual agora Domenico era participante. Tal foi a importância da Fazenda Lageado na região de Ribeirão Preto, que a recém inaugurada estrada de ferro, tinha agora um ramal denominado Ribeirão-Lageado para escoar a produção da fazenda e arredores. A colheita dos 450.000 pés de café somava perto de 48.000 arroubas e havia ainda uma área reservada de 100 hectares para o plantio de arroz, feijão e cana de açúcar que serviam para a subsistência dos trabalhadores, e mais uma área de pastagem onde 15 vacas forneciam leite para consumo na fazenda. Os terreiros para a secagem do café tinham aproximadamente 15.000 m2, e a tropa contava com 40 mulas e diversos carros de bois.
                                                              Com a saída de Domenico e Maria, a família teve ainda mais dificuldade em sua manutenção.  Esse início na nova terra foi bastante difícil para todos. Eles mesmos tinham que cuidar de tudo para a própria sobrevivência e bem estar, desde a alimentação até a lavagem e manutenção de suas roupas. Ainda tinham uma grande dificuldade em substituir o vinho pelo café, logo de manhã. Desde que haviam chegado à fazenda da Onça,  não tinham notícias dos parentes na Itália, alías, desde que partiram de lá. Já haviam mandado carta há mais de dois meses, mas até agora, nada de resposta. Algum tempo depois quando estavam reunidos no sábado à tarde no grande terreiro para secagem do café, chegou da cidade numa carroça o encarregado de trazer de Bebedouro alguma coisa que necessitavam com urgência e as correspondências dos colonos que vinham endereçadas à Fazenda da Onça. Depois de chamar por diversos nomes dos companheiros, a encomenda  tão esperada:
                                                                -“Lettera (carta) a Inocenzzo Caffer, a Franchesco Caffer i a Pietro i Domenico Caffer”.  Choraram quando pegaram os envelopes com as cores da Itália e viram o carimbo da pequena cidade de Villesse. Mas infelizmente as notícias não eram as melhores, as coisas continuavam muito difíceis por lá. E os parentes que continuavam na Itália pensavam a tomar a mesma atitude dos outros e rumarem para o Brasil.
                                                                   Inocenzzo, o mais escolarizado da família se encarregou de escrever uma longa resposta aos entes queridos , narrando tudo o quanto acontecera aos  personagens da aventura, como na longa carta de Caminha ao rei lusitano, falou das peripécias da viagem, do drama vivido por todos com a doença adquirida por Marco, da nova situação familiar com a união entre Domenico e Maria Viola, das conquistas à custa de muito trabalho nos cafezais e da fé e esperança que depositavam num futuro brilhante e promissor. Após escrever a longa carta, Inocenzzo chamou a família e a leu em voz alta para que todos ouvissem, já que era escrita em nome de todos. Depois, quando todos se retiraram leu tudo novamente em silêncio, depois lacrou o envelope e chorou sobre ele, antes de leva-lo ao encarregado do correio.
                                                                Agora não eram mais colonos agenciados para o trabalho nos cafezais. A família havia  arrendado uma parte do cafezal na fazenda da Onça, prática comum dos fazendeiros da época diante da escassez de mão de obra, e tocavam junto com outros colonos contratados e ex-escravos que agora trabalhavam mediante remuneração. Eram enfim,  uma grande frente de trabalho liderada  por Inocenzzo Caffer (após a saida de Domênico), que era o melhor preparado em termos de cultura e desembaraço nos negócios,  mas composta por todos os membros da família Caffer.
                                                                  Alguns meses depois que a familia se separou, sempre na dura batalha; onde procuravam ganhar o máximo possível, gastando sempre o mínimo; certo dia se achavam os parentes sentados à noite no terreiro, conversando sobre a saudade da família, quando Pietro disse dirigindo-se a Inocenzzo:
                                                                - “Perché nun se sposa una ragazza, Inocêncio?”
                                                                - Ah! Pietro,  meu primo, ainda tenho minha bela, dentro do meu coração. Não penso nisso por enquanto.
                                                                 Maria e Valentim reforçaram a preocupação do primo Pietro, depois se dirigiram ao outro irmão:
                                                                - E você Franchesco? Porque não se casa?
                                                                - Nem pensar, não vim ao Brasil para me casar. Vim para trabalhar e voltar à Itália.
                                                                Então retruca Inocenzzo:
                                                                - E porque não você Pietro?
                                                                - De que jeito, se as “ragazzas” só tem olhos para você. Não viu a filha do austríaco nosso vizinho, como te olha?
                                                               - “Ah! Pietro, quanta esageracione!”

                                                               Aquela conversa aguçou os sentidos do Inocenzzo, que passou a observar a “bella ragazza”, que realmente o olhava de maneira diferente, dissimulada, mas cheia de interesse.
                                                                Pouco a pouco a amizade de Inocenzzo com a família de Olga Bathaus se intensificou. Claro, a família da “bella” era austríaca, e os patrícios eram muito raros por aqui, de maneira que não podiam se comunicar com quase ninguém. Por seu lado Inocenzzo vivera na Áustria durante alguns anos e falava a língua sem embaraços. Criados esses primeiros laços aos poucos se intensificaram, e o pedido de casamento tornou-se inevitável.
                                                               Vale lembrar que Domenico, irmãos e sobrinhas, com a cunhada Maria ocupavam uma pequena casa na colônia, enquanto que Inocenzzo e Franchesco ocupavam outra casa ao lado. Os rapazes se por um lado, sofriam as mazelas e o desconforto de terem que cuidar sozinhos dos afazeres da casa, por outro lado ainda eram vistos com muita desconfiança dentro da colônia, onde os pais vigiavam as filhas com todo rigor por medo de “se perderem” com “ios ladros de cuoris”. Na família Bathaus não foi bem assim. Inocenzzo gozava da amizade e da confiança da família. Alem disso corria o boato de que vinham juntando muito dinheiro, principalmente por terem poucas despesas, sem precisarem dar alimento a nenhuma família numerosa, o que aumentava-lhes a credibilidade. Não obstante o velho Bathaus fez uma exigência bem significativa para dar a concessão:
                                                               -“Corteggiare, no. Avere che fidanzarsi”.  (Namorar, não. Têm que ficar noivos). Inocenzzo não teve escolha, e saiu da casa dos Bathaus noivo de Olga. Os rapazes festejaram muito. Beberam vinho e cantaram até bem tarde. Por fim combinado o seguinte:
                                                              -“ Domanni è sábado.” Vamos caçar e comemorar com um bom assado.
                                                              No anoitecer do sábado partiram em três, numa jornada de mais de uma légua em busca de uma boa caça, Foram até a margem de um pequeno riacho que pendia para o lado do Rio Pardo, e se atocaiaram à espera de algum animal. Silêncio total, e atenção absoluta. Sabiam que por ali deveria haver muitos animais, tais eram seus vestígios como fezes e pegadas à beira do riacho. Foram longas horas de espera, até que o barulho de um arbusto seco sendo pisado chamou a atenção dos três. Franchesco apontou a arma acompanhado dos outros, mas foi ele quem atirou primeiro, tão logo viu o brilho dos olhos do animal. Era uma bela paca com uns oito quilos mais ou menos. Nessa época ainda eram desconhecidas as lanternas portáteis tão utilizadas depois pelos caçadores, então tinha que se atirar no escuro, ou no vulto do animal ou no brilho de seus olhos. Acomodada a paca dentro de um saco, subiram margeando o riacho por uns 500 metros, onde os animais das redondezas não houvessem fugido com o barulho do tiro. Nova tocaia, e nova espera, e novamente o estampido de um tiro de espingarda. Mais uma paca para os festejos. Com dois belos animais mortos decidiram que deviam ir embora, já que era madrugada e a caçada estava de bom tamanho, mas o melhor e o mais inesperado estava por acontecer. Durante o trajeto de volta, vinham os três muito felizes, tagarelando, quando subitamente um animal saltou do meio de uma moita de arbustos e correu bem diante deles. Imediatamente atiraram ao chão o que traziam às costas e se puseram de prontidão com as espingardas engatilhadas. Afinal podia perfeitamente se tratar de uma onça, animal muito comum por ali. O bicho correu por cerca de uns 10 metros e parou, olhando assustado para trás, seus olhos brilharam no escuro da macega, e mais um tiro ecoou noite adentro. Cheios de “paura”, acenderam o pequeno lampião que carregavam e se aproximaram cautelosos. Quando viram o animal estirado ao chão não puderam conter o riso e a comemoração, riam e se abraçavam como se tivessem ganhado um prêmio. Era um belo veado mateiro, que sozinho pesava mais que as duas pacas caçadas à beira do rio.
                                                               Há de se explicar o motivo dessa comemoração. A carne era muito escassa na mesa desses imigrantes. As áreas cultiváveis eram ocupadas exclusivamente pelos cafezais, e as poucas cabeças de gado existentes serviam para oferecer leite aos fazendeiros. A comida geralmente era à base de polenta e hortaliças, entre elas o “radicchio”,  conhecida como comida de pobres, hortaliça muito parecida com a chicória de cor avermelhada, que haviam trazido da Itália e que agora era farta por aqui. Carne, às vezes de porco ou cabrito, mas só em ocasiões muito especiais. Alem disso a vida na colônia tinha outras dificuldades, as casas  eram pequenas, e geralmente as famílias eram bem grandes. Havia escassez de pão, e faltava trigo para fazerem o macarrão. Na colheita da uva pelo menos o vinho era abundante.  Durante a entre safra, bebiam vinho de jabuticaba, e aos poucos se habituavam com o gostinho do café.As roupas eram costuradas a mão e geralmente se enchiam de remendos só sendo abandonadas quando ficavam realmente imprestáveis. Havia grande abundância de caça na região, mas os bichos ficavam cada vez mais longe, e os italianos tinham um medo descomunal das onças que rondavam a região. Era uma época de muitos “causos”, e continuamente contavam histórias de onças ou sucuris matando e comendo gente. Por isso as mulheres impediam os maridos de irem à caça.
                                                               Então o resultado da caçada do sábado era realmente motivo de comemoração. Chegaram em casa já na madrugadinha, por volta das 5,00 da manhã, mas ninguém foi dormir. Colocaram logo muita água para ferver e começaram a limpar e tirar o couro dos bichos. Tão logo amanheceu o dia, vieram as mulheres da família Bathaus e se juntaram aos Caffer, providenciando o tempero das carnes, e o preparo de outros pratos para  festança. Vieram, Olga com a mãe e uma mocinha de dezessete, dezoito anos que criavam desde criança por haver perdido os pais numa epidemia que assolou a região. A menina Luiza Tomazzini, ficou órfã e sem nenhum parente eu pudesse cria-la. Então se tornou a criada da família Bathaus. Aos poucos foram chegando outros vizinhos e patrícios, alguns traziam garrafões de vinho que tinham guardado, de maneira que à hora do almoço a festança era completa. Um dos patrícios tocava alegremente uma sanfona e todos dançavam e cantavam ao som das belas sonatas italianas,  com muito vinho e fartura de carne. A jovem Luiza, no frescor de seus dezessete anos dançava e sorria sem parar. E o pior, sem tirar nunca o olhar sorrateiro de Inocenzzo, o noivo de sua patroa, ou irmã de criação. Tão logo Inocenzzo percebeu essa situação baixou o rosto em meio ao povo e balbuciou baixinho para si mesmo:
                                                            -“Ahimè! Dio mi aiuti!” (Ai de mim! Deus me ajude!)
                                                           A festa foi até o entardecer, quando um a um foram se despedindo, e procurando seus lares a fim de repousarem para a árdua labuta da segunda feira. Inocenzzo recolheu-se à sua cama mas não conseguia dormir, apesar do cansaço obtido na caçada da noite anterior, e de toda a festança durante o dia. Tanta coisa havia mudado em sua vida em apenas dois dias! Até sexta-feira era livre e descompromissado. Agora, no domingo à noite era noivo de Olga e sofria o discreto assédio de Luiza.
                                                      
                                                           O trabalho duro prosseguia. Só iam à cidade uma vez por mês, para irem à missa, ou quando tinha uma festa muito popular, como as dos santos mais venerados na Itália. Fora esses pequenos folguedos tudo era trabalho... trabalho... trabalho...
                                                           O noivado de Inocenzzo com Olga Mathaus continuava, bem dentro dos moldes da época. Nenhum contato físico além do aperto de mão, e durante as horas permitidas ao namoro, quase sempre a mãe de Olga permanecia num canto da sala consertando as roupas de trabalho. As conversas não iam além de frases curtas e quase sempre falando das coisas da família e alguns poucos projetos para o futuro. Só ficavam a sós quando a velha ia à cozinha, a fim de preparar o café para o noivo. Eram poucos minutos e em quase todas as vezes o pai de Olga atravessava a sala pigarreando devido ao fumo do cigarro de palha. Servido o café Inocenzzo já sabia que era a senha para ele ir embora.
                                                         
                                                           -“Fratello, veniamo a bocha”. Franchesco convidava Inocenzzo para ir no domingo à tarde, até a cancha de bocha, que eles mesmos haviam improvisado ali na colônia, e que era quase o divertimento exclusivo na área esportiva de que dispunham. Ali aliviavam as tensões adquiridas durante a semana de trabalho duro, e não raramente algum dos patrícios exagerava no vinho e ia para a casa embriagado.
                                                            Inocenzzo trabalhava cada vez com mais afinco, angariando dinheiro na esperança de poder comprar um pedaço de terra, e preparando-se para o casamento que a essa altura era tido como certo. Acontece que a pequena Luiza era um martírio na vida e em todos os pensamentos do jovem noivo. A cada dia era mais insinuante, mais atrevida, e logo deu um jeito de passar a levar o almoço aos “ragazzos” no cafezal. Fora criada sem a presença dos pais, e por certo não aprendera muito dos valores familiares e morais, tão importantes naquela época, de maneira que não lhe parecia tão errado cobiçar o noivo da irmã de criação. E assim pouco a pouco foi se aproximando de Inocenzzo, que por sua vez foi se afeiçoando a ela, e sem que ninguém desse por conta estavam namorando às escondidas..
                                                            Luiza era uma mocinha criada sem conhecer um lar de verdade. Os pais adotivos, por um lado não lhe passavam valores éticos e morais, por outro lado  mantinham-na num regime de semi-escravidão, obrigando-a aos serviços da casa, a cuidar dos animais e a submeter-se aos caprichos da irmã de criação. Desde a infância era açoitada pelos pais adotivos pelos motivos mais banais, como uma roupa mal lavada, ou porque se punha embaixo do pé de tangerina no fundo do quintal a empanturrar-se das frutas. Dessa maneira sonhava alucinadamente com o casamento que considerava verdadeira carta de alforria.
                                                            Acontece que o namoro dos dois escondidos em meio ao cafezal não tinha as rédeas impostas pela família, e gozava da liberdade que só os dois compartilhavam, alem do doce sabor daquilo que é proibido.
                                                            Logo os irmãos e primos perceberam o deslize de Inocenzzo, e o encheram de alertas e conselhos, que de nada valeram. Os meses passaram e à medida que se aproximava a época marcada para o casamento com Olga, uma novidade explodiu como uma bomba na família e depois em toda a colônia. A barriga de Luiza crescia a olhos vistos, e não tinha mais como esconder que estava grávida. Inocenzzo tinha que enfrentar a situação. A essa altura já não era mais o rapaz cheio de temores que deixou a Itália, mas um homem feito, calejado, experiente, e principalmente o que não lhe faltava era coragem para enfrentar qualquer situação. Era um homem polido, educado, poliglota, que escrevia cartas num linguajar muito claro e correto; tratava a todos com respeito e dignidade, mas se fosse preciso se agigantar e fazer rugir a fera que trazia escondida dentro de si não se fazia de rogado. Era um leão acuado quando era preciso enfrentar uma situação difícil.
                                                            Todos na redondeza já sabiam dos fatos, mas o rapaz ainda tinha o cruel compromisso de ir comunicar à noiva a situação, e o pior: Dar explicações ao pai da moça. No sábado Inocenzzo se preparou como de costume para ir até a casa da noiva, mas o irmão Franchesco e o primo Valentim perceberam que aquele dia não seria de um namoro comum; que as coisas poderiam esquentar e muito na casa dos Bathaus. Cada qual munido de seus revolveres ficaram pelas redondezas, observando os acontecimentos. Felizmente não foi preciso usar nenhuma violência. Inocenzzo de maneira muito diplomática saiu ileso da casa do “sogro”, afinal só mudaria a noiva, e o restante continuaria como antes. Dessa maneira quase nada foi mudado e o casamento se deu conforme estava estabelecido, com o único detalhe que foi a troca da noiva.
                                                             Não foi um casamento pomposo, nem com festejos. Afinal fora originado de maneira bem inesperada e de uma forma que não animou ninguém a festejar. Num sábado foram até Bebedouro, os homens da família Caffer, O Sr. Bathaus, a esposa e a futura mamãe Luiza Tomazzini. No cartório da cidade fizeram o casamento, simples e rápido. Só os Caffer cumprimentaram os noivos:
                                                             “-Congratulazione agli sposi”. (Parabéns aos noivos), disse Franchesco sissudo como sempre, já Valentim, mais brincalhão, abraçou os dois e disse sorrindo:
                                                              “-Ormai la frittata è fatta”. (Parabéns por juntarem as escovas de dentes). Inocenzzo também sorriu, e foram embora.De volta para a colônia Luiza voltou à casa do padrasto, apanhou suas poucas roupas e foi para a casa de Inocenzzo. Pronto. Voltaram À Fazenda porque a colheita do café estava a todo vapor, e tinham que se empenhar ao máximo nela.
                                                                Terminada mais uma colheita do café, mais uma colheita na seara da vida,  no dia 03 de junho de 1903 nasceu o filho de Inocenzzo e Luiza. Um bello ragazzo, forte, vigoroso, cheio de saúde, a quem deram o nome de Cezar Augusto. O primeiro Caffer nascido em solo brasileiro: Cezar Augusto Caffer.
                                                                Passou o ano de 1903, e já findava o de 1904. O pequeno Cezar Augusto já andava com as perninhas meio tortas, própria da criança nessa fase, e já falava um montão de palavras, quase todas em italiano, até que num sábado o “carteiro” da colônia lhes trouxe novas cartas da cidade. Os dois irmãos recebiam uma carta do pai:
                                                             “-Scrivo perché ho delle notizie importanti da darti”. Mais primos vossos se preparam para irem ao Brasil.
                                                               Inocenzzo colocou a carta de volta dentro do envelope e em seguida guardou no baú que tinha junto da cama onde guardava relíquias que trouxera da Europa. Livros, cartas, bilhetes, etc, depois foi tomar um bom copo de vinho com os parentes para comemorar a vinda de outra parte da família Caffer.
                                                               Entre as correspondências Inocenzzo recebeu uma cartinha da bella Aradia, que era sua inammorata na Itália. Quando leu ficou com os olhos cheios dágua, Depois guardou a cartinha com as outras no velho baú.
                                                               Cada vez mais, a família unida direcionou as forças para aquilo que mais importante existia naquele momento: Trabalho, trabalho, trabalho... E logo arrendaram uma fazenda inteira entre Bebedouro e Olímpia pela vultuosa soma de 400 mil réis. Logo na primeira colheita apuraram mais de 900 mil réis. O arrendamento era por cinco anos, mas parte da família deixou o local antes desse período. Durante a terceira colheita, que era farta como as duas anteriores, Inocenzzo comunicou aos parentes que aquela seria a última colheita que faria por ali. Já juntara um bom dinheiro e procuraria por terras mais baratas em outra região, para onde se mudaria. Valentim protestou e Franchesco permaneceu calado.
                                                               Na manhã seguinte quando o restante da família tomou conhecimento da decisão de Inocenzzo, houve muito barulho. Uns concordavam com ele, devido à situação criada com o inesperado casamento, outros achavam que ele deveria continuar ali mesmo, e seguirem juntos na empreitada. À noite toda a família estava reunida na casa de Inocenzzo, e Maria tomou a palavra citando uma frase que sempre ouvira o velho pai dizer na Itália:
                                                               - Inocenzzo, fratello, “-Chi lascia la strada vecchia per la nuova sa quel che lascia, ma non sa quel che trova."   (quem deixa a estrada velha pela nova, sabe o que deixa, mas não sabe o que encontrará.
                                                               -E não deixamos a Itália, numa aventura sem tamanho?
                                                                Benne... concordou a prima.


                                                              
                                                                Aos poucos Inocenzzo e Franchesco, foram se desfazendo dos bens em Bebedouro, foram passando o arrendamento do café aos primos Maria e Pietro Caffer, que ao contrário daqueles, pelo menos por essa época não se interessaram em empreender uma nova aventura. Maria Gerin Caffer, que acompanhada das duas filhas, Eliza e Maria formavam uma família só de mulheres, tratou de juntar aquilo que ganhara até então no duro trabalho nos cafezais e juntou-se a um comerciante árabe, proprietário de uma loja de tecidos em Bebedouro.


                                                                 Embora a região de Bebedouro fosse dotada de terras férteis, muito apropriadas para o cultivo do café, nesse início de século XX os fazendeiros iam aos poucos se transferindo para as regiões de Ribeirão Preto e adjacências em busca de um melhor escoamento do produto de seus cafezais. Já desde o final do século anterior a estrada de ferro chegara em Ribeirão Preto, diminuindo os custos e aumentando o lucro dos cafeicultores. As primeiras colheitas de café da família Caffer se depararam com essa dificuldade. O café à medida que era colhido e seco, ia para os armazéns, bem rudimentares, à espera do transporte. As tropas de mulas eram poucas na região e no evento da colheita trabalhavam como nunca e os proprietários das tropas lucravam da mesma maneira, como nunca.
                                                                  Há que se compreender aqui a importância desse meio de transporte no desenvolvimento de toda a zona cafeeira do sul do Brasil. Dependendo do volume a ser transportado eram contratadas tropas de diversos tamanhos, que geralmente iam de 8 ou 10 animais, até tropas divididas em grupos que chegavam a trezentas mulas ou mais. Embora já existissem em quantidade até razoável, os carros de bois não eram muito utilizados  nas viagens mais longas. Primeiro porque os bois eram lentos e não se adaptavam bem às jornadas mais longas e rudimentares, depois porque os carros muito pesados atolavam a todo instante e tinham que ser descarregados para desatolarem. Enquanto isso as mulas mais ágeis e mais adaptadas às peripécias das estradas e das jornadas.
                                                                 À medida que as tropas se avolumavam, faziam-se necessários novos pontos de apoio para os animais e seus condutores. Então, a princípio era só uma nascente, lugar chamado de pouso de tropa,  onde se fazia parada para o pernoite e descanso dos homens e animais, depois aparecia um pequeno armazém, um tipo de venda onde se comercializava quase tudo à base do dinheiro ou do escambo. Depois currais, bebedouros para as tropas, barracões para a pousada dos tropeiros e a guarda das cargas, um ferreiro, uma pequena capela,  e aos poucos ia se delineando uma pequena vila à beira do caminho. Muitas dessas vilas hoje são grandes cidades.
                                                                 As grandes tropas eram confiadas a um capataz ou chefe de tropa, pessoa com grande experiência e coragem, e eram subdivididas em grupos menores de vinte a trinta animais. O tropeiro chefe contava sempre com a presença do arrieiro, que cuidava dos acessórios colocados sobre os animais, desde arreios e cabrestos, até as bruacas, onde eram presos os sacos de café, e de uma espécie de “veterinário”, que cuidava dos animais feridos seja por um calo causado pelo excesso de peso sobre os lombos, uma pata ferida na caminhada e não raras vezes pelo ataque de cobras que se atocaiavam e mordiam as mulas, principalmente as cascavéis. O tratamento era quase sempre à base de ervas e com bastante freqüência haviam animais sacrificados devidos aos ferimentos mais severos. Para empreenderem viagem necessitavam de alguma força de apoio, geralmente constituída pelos comandantes de tropas, que lideravam os grupos e pelos impagáveis cozinheiros que tratavam de alimentar os famintos trabalhadores. O pessoal de apoio seguia a pé seguindo as mulas carregadas de café.
                                                                Dentro da tropa eram escolhidas as mulas mais ágeis e mais valentes que eram colocadas à frente com o objetivo de “puxar ou incentivar” as demais. À frente dessas só seguiam as bruaqueiras que levavam o material utilizado na viagem e a comida que tinha que ser feita com antecedência, antes da chegada do comboio. No final da fila vinham os animais de reserva, prontos para substituírem um outro morto ou ferido.
                                                                Felizmente aqui pelo Estado de São Paulo não haviam mais índios hostis, pois já há muito haviam sido “civilizados” ou expulsos pelos bandeirantes que cruzaram essas regiões rumo aos sertões brasileiros.
                                                                Dessa maneira, o café embora sendo disparadamente a maior riqueza da região e fonte dos maiores ganhos, tinha grande parte de seu lucro perdido no transporte até a via férrea.                                                          



                                                            
                                                           
                                                                Mais algum tempo e Inocenzzo foi com pequena família para Olímpia. O irmão Franchesco o acompanhou, enquanto Valentim permaneceu em Bebedouro com os outros irmãos.
                                                                Em Olímpia se hospedaram em um  hotel no centro da pequena cidade, chamado Hotel Torquato, que mais tarde viria a ser propriedade de Franchesco Caffer. Dali Inocenzzo começou  a viajar pela região, com muita dificuldade, cavalgando mulas, a fim de conhecer as terras e à procura de alguma propriedade que pudesse comprar. Enquanto isso Franchesco permaneceu na cidade de Olímpia, onde acabou por se radicalizar comprando alguns imóveis, e sobrevivendo com seus aluguéis. Entre eles os mais importantes foram o prédio do Cassino, e o próprio Hotel Torquato, onde passou a viver em um dos quartos, até o final de sua vida.
                                                                 Inocenzzo por sua vez adquiriu uma pequena propriedade bem junto de um vilarejo que apenas começava; Mirassolândia, encravado no verdadeiro sertão paulista, muito além de uma outra vila que existia por ali denominada São José do Rio Preto, que acabava de ser desmembrada de Jaboticabal. Não pensava em voltar para os cafezais, a exemplo de seu irmão. Então foi emprestando o dinheiro do qual dispunha a um e a outro fazendeiro ou comerciante, e com isso angariando juros que só lhe aumentavam o capital. Enquanto isso cuidava da pequena propriedade com o intuito de fazer dela um pequeno paraíso. O menino Cezar Augusto crescia, e agora corria por todos os lados brincando com os animais caseiros. Logo apareceram os outros irmãos.  O segundo filho do casal foi chamado Benedito, que nasceu pouco antes da família se mudar para Mirassolândia.
                                                               Quem naquela época acreditasse estar no sertão, residindo em Bebedouro, Olímpia ou Ribeirão Preto, não tinha a menor idéia do que era o projeto de lugar chamado Mirassolândia, um pequenino lugarejo embrenhado em grandes áreas de matas virgens, onde não haviam caminhos, nem pontes sobre as águas. Apenas picadas nas matas levavam as mulas e os primeiros habitantes ao lugar. Dessas primeiras pessoas que se aventuraram por ali, uma boa parte morreu vitimada pela malária, e por outras febres que acometiam os moradores dos locais haviam as primeiras derrubadas de mato. Ali ainda não haviam grandes cafezais, nem colônias de europeus, e nem escravos libertos à procura de trabalho. Mas agora Inocenzzo também não era mais aquele jovem de deixara a Itália com uma certa dose de cultura, que aqui não lhe servia de nada. Aos poucos assimilou a rudeza de seu pai, e foi à luta munido das armas que dispunha em meio ao sertão: A força de seus próprios braços. Na propriedade que adquirira promoveu então a primeira derrubada de mato. A golpes de machado, colocou abaixo grandes árvores centenárias, que uma vez no chão, não tinham mais nenhuma serventia senão ao fogo, exceto algumas escolhidas e reservadas para se tornarem tábuas e estacas de cercas. Puxando um enorme trançador, espécie de serrote muito grande, com um cabo em cada lado, foi transformando os troncos em tábuas, e com elas levantando sua casa, fabricando porteiras e cercas e moldando à sua maneira o local onde viveria o resto de sua vida.
                                                        Luiza Tomazzini, sua esposa, embora leviana no que diz respeito às coisas do coração, encarou a tarefa com a bravura e a coragem que o marido esperava encontrar na esposa. Construída a pequena casa de madeira, quantas vezes se depararam com cobras enormes adentrando pela porta, ou tentando subir nos pequenos bancos, outras vezes tinham a horta e a pequena roça devastadas por bandos de catetos (porcos do mato). E não raras vezes adormeciam ouvindo o temeroso ”mugido” das onças que passeavam pelas redondezas. Por outro lado, a pesca e a caça era farta, nem sendo necessário sair-lhes à procura. Geralmente quando dava um pequeno chuvisco à tarde, Inocenzzo ia ao ranchinho ali nos fundos de casa munido de sua espingarda, o logo um veado mais afoito que saia da mata lhe servia de mira. É muito comum veados deixarem a mata após uma pequena chuva, a fim de saborearem os brotos em áreas mais descampadas. E peixes, tinham ali aos montes no pequeno riacho a menos de quinhentos metros. Eram bagres enormes, piaus, lambaris, e uma infinidade de pescados, que eram capturados sem nenhuma dificuldade. Esses primeiros anos foram difíceis, sem ninguém para trabalhar alem da pobre esposa.
                                                         Mas, apesar das dificuldades, os imigrantes italianos jamais se retraiam diante de qualquer dificuldade. E tinha por princípio transformar qualquer adversidade em força, em coragem e em esperança.
                                                         Nesse cenário o paradoxo se fez verdade e norteou os caminhos da pequena família. Inocenzzo já não precisava de ganhar dinheiro para sobreviver, e utilizando certo conhecimento que trouxera da Itália, aliado à excelente qualidade do barro às margens do pequeno riacho, passou a fabricar de maneira artesanal tijolos e telhas em uma pequena olaria.  
                                                         Ao contrário dos imigrantes do sul do Brasil, que fizeram da madeira a matéria prima para suas construções, os europeus radicados no Estado de São Paulo tinham nítida preferência pelas casas de tijolos, de maneira que pouco a pouco a pequena olaria foi se transformando. Inicialmente produziu tijolos e telhas para a casa da família Caffer na propriedade rural. Depois Inocenzzo construiu mais duas casas em alvenaria na futura vila de Mirassolândia, que agregou aos seus bens. Pouco a pouco foram aparecendo encomendas, que depois se avolumaram, já que tijolos e telhas eram coisas raras por ali. Sem que se desse conta Inocenzzo tinha em mãos uma nova “mina de ouro”. Contratou muita gente e montou uma “frota” de carros de bois que carregavam os produtos da olaria para Mirassolândia, Tanabi, Bálsamo, Mirassol, Rio Preto e até para Catanduva, numa viagem que durava quase um mês entre ida e volta. Agora era um industrial e um verdadeiro homem de negócios. Então aflorou nele aquilo que ficara perdido em meio aos cafezais; tudo o quanto lograra aprender em escolas européias. Construiu nos fundos da casa, perto da olaria um pequeno escritório que mobiliou com móveis de primeiríssima linha, dentro dos moldes europeus, deixando ali num dos cantos o velho baú que trouxera de Bebedouro, onde mantinha guardados documentos importantes e todas as correspondências recebidas dos familiares na Itália.


                                                        Inocenzzo se transformara no canal de comunicação entre aqueles que permaneciam na Itália e a família no Brasil, já que por aqui era praticamente o único que tinha desenvoltura em escrever e ler as correspondências. Assim o velho baú foi aos poucos se enchendo com dezenas de cartas recebidas dos parentes.


                                                        Os filhos agora eram três, Cezar Augusto, Benedito e Catarina, enquanto Luiza esperava o quarto que viria a se chamar João Batista. A família crescia e os bens se avolumavam. Logo Inocenzzo construiu casas em São José do Rio Preto, que passou a manter alugadas.
Tão logo o pequeno filho mais velho completou sete ou oito anos passou a executar pequenos serviços, que foram aumentando aos poucos, de maneira que quando Cezar Augusto, ou simplesmente Gusto, como o pai o chamava, atingiu os treze anos era ele quem comandava os trabalhos na olaria. Agora alem de tijolos e telhas, eram fabricados potes e filtros para água, vasos para flores e outros artigos de barro. Alem disso bem ao lado da olaria agora havia uma nova fábrica cuja matéria prima era a madeira. Ali se fabricavam os carros de bois, porteiras e se preparavam lascas e mourões para cercas.
                                                        “-Tanti tanti auguri per questo nuovo lavoro.” Dizia o pai ao jovem Gusto, entregando-lhe o comando de quatro carros de bois carregados na olaria com destino a São José do Rio Preto. Essa foi a escola e a cultura de Cezar Augusto Caffer.
                                                        Embora fosse uma prática comum entre os imigrantes italianos, Inocenzzo não guardava um níquel sequer embaixo do colchão. Tão logo dispunha de algum dinheiro, tratava de aplicá-lo em alguma benfeitoria, ou empresta-lo a alguém que lhe pagasse juros. Dessa maneira novamente o paradoxo se estabeleceu em sua vida. Radicou-se numa fazenda de mata virgem entre Mirassolândia e Ibiporanga uma família também vinda de Villesse, na Itália, amigos da família Caffer. Os novos moradores pretendiam plantar ali um grande cafezal, mas gastaram tudo o quanto possuíam na aquisição da propriedade, e não dispunham de dinheiro para o desmatamento e para o cultivo do café. Essa era uma empreitada que exigia muito capital. O que não era problema para Inocenzzo, que emprestou ao patrício que chamava de “Primo” uma grande quantia em moeda viva, com a garantia de hipoteca da terra. Ano após ano a amizade e a afinidade entre as famílias aumentou, e aos poucos Inocenzzo foi emprestando ao “Primo” quantias cada vez mais elevadas para a formação do cafezal. Após cinco ou seis anos quando o café deu a primeira grande florada aconteceu o inesperado. O “Primo” foi acometido de uma súbita febre, e morreu antes da primeira colheita. Os filhos herdeiros, talvez com medo que o credor lhes exigisse o dinheiro da colheita, venderam-na e se foram dali, deixando a mãe que logo negociou com Inocenzzo as hipotecas das quais era credor, dando-lhe a propriedade em troca da dívida e mais uma certa quantia em dinheiro.
Assim a família de Inocenzo Caffer, que não pretendia voltar à labuta do café, tornou-se proprietária de uma fazenda com oitenta mil pés de café, uma boa área de pastagem e uma mata virgem com mais de cem alqueires. Era o ano de 1917. E mais e mais italianos vinham ao Brasil em busca de juntarem dinheiro com o rastelo. Alusão que faziam ao café, denominado por eles de “ouro negro”. Nessa época uma outra parte da família veio da Itália, mas nunca se encontrou com os parentes que aqui estavam. É muito provável que a maioria desses novos imigrantes da família tenham se radicado no Rio Grande do Sul, e uns, outros poucos, em algum lugar de São Paulo.
                                                             Na Fazenda Altamira as espingardas trazidas da Itália por Incenzzo trabalharam como nunca. Era uma fartura tão grande de animais para a caça, que pouco se preocupavam com a criação de animais caseiros. Além disso os bezerros e os porcos sempre serviam de refeição às onças, de maneira que era mais vantajoso caçar os bichos que dar-lhes de comer. Aos sábados à tarde iam à pequena Mirassolândia a fim de trazerem à fazenda coisas necessárias, como querozene, fumo, calçados, tecidos, armarinhos, e alguns condimentos. Feitas as compras iam pai e os dois filhos até a venda na saída da cidade a fim de tomarem uma bebidinha. Pouco a pouco foram tomando gosto pela coisa, e logo, logo, estavam bebendo muito e chegando embriagados em casa. Isso não consistia em um grande problema, já que só iam até a bebida aos sábados. Chegavam à fazenda sempre ao escurecer e bem depressa empunhavam as espingardas e se punham de prontidão à beira dos riachos nos arredores. Luiza ficava em casa de prontidão. Tão logo ouvia um tiro, colocava sobre as chamas uma lata grande com água. Outro tiro, outra lata dágua. Três tiros, três latas dágua. Logo depois chegavam os três com os sacos nas costas cada qual trazendo um animal morto. Eram pacas, cotias, capivaras, veados e às vezes até mesmo jacarés. Parte da carne era frita e guardada na gordura em uma lata bem fechada. Outra parte era moída para almôndegas ou lingüiça, e ainda outra parte era seca ao sol. Tudo isso ia à mesa com muita massa.
Sempre alguém se lembrava de agradecer a refeição farta:
                                                           “- Di niente. Anzi siamo noi ad essertene grati! Então comiam com muito vinho e muita alegria.    
                                                             As coisas então andavam de vento em popa para a família Caffer, e seriam ainda melhores, não fosse um duro golpe desferido pela natureza contra os cafeicultores. No ano de 1918, um ano após Inocenzzo haver adquirido a Fazenda Altamira, o café estava exuberante, prometendo para o ano seguinte uma safra realmente gigantesca, quando no dia 23 de junho daquele ano caiu a maior geada até então vista na região e no Estado de São Paulo. Seguiram com rigorosas geadas os dias 24 e 25 de junho, deixando os cafezais seriamente combalidos, sem uma folha sequer. As matas perderam as folhas e os tabocais pareciam florestas de estacas pontiagudas, sem verde e sem vida. De tudo o que existia de verde na fazenda, só as macaubeiras permaneceram verdes, isso devido ao óleo contido em suas folhas. Depois seguiram três meses sem chuva com o sol esturricando as madeiras das matas e destruindo os cafezais. A geada foi tão severa, que na manhã do dia 24 de junho,  Luiza após se agasalhar muito bem foi à cozinha preparar o café para a família, mas não foi ao poço à busca de água, já que fazia muito frio lá fora. Apanhou a caneca de alumínio e foi ao pote onde tinham água para beber. Quando mergulhou a caneca dentro do pote deu com uma só pedra de gelo.
  Numa tarde de setembro um grande incêndio tomou conta da mata virgem na Fazenda Altamira, destruindo em poucas horas aquilo que a natureza levara séculos para produzir. Os tabocais ressecados pelo sol explodiam como bombas ao serem destruídos pelo fogo. Diante da desolação causada pela geada, Inocenzzo voltou a ter uma maior dedicação à olaria nos arredores de Mirassolândia, enquanto seus filhos Augusto e Benedito então com 15 e 14 anos permaneceram na Fazenda Altamira para juntamente com os empregados tratarem da reconstrução. Aí se moldou o caráter e a personalidade que Cezar Augusto carregou pelo resto de sua vida. Se fez um homem rude no trato com o trabalho mais duro, corajoso diante das dificuldades, e se lhe faltava a cultura do pai, tinha desse toda a experiência adquirida desde muito jovem na Europa, e a garra e a pujança de quem precisou enfrentar tudo o quanto um homem pode ter de difícil diante de si. Aos quinze anos atirou-se ao trabalho com a força e a determinação de um verdadeiro homem. Como um predador faminto à busca da caça.
                                                     Benedito e Cezar Augusto, sempre contando com o amparo do pai, e principalmente com o apoio financeiro, transformaram toda a desolação em um verdadeiro oásis em meio ao deserto causado pala geada. A Fazenda Altamira era a mais bela, a mais produtiva e a mais cobiçada propriedade das redondezas. Não demorou até que recebessem uma proposta irrecusável para a venda da propriedade. Então a bela e famosa Fazenda Altamira foi trocada por outra propriedade duas vezes maior, no Córrego da Aroeira, ali mesmo, entre Mirassolândia e Bálsamo. Inocenzzo Caffer, mais uma vez foi com toda a família em busca de uma nova aventura. 
                                                     A família Caffer crescia a olhos vistos. Domenico agora  radicado em Sertãozinho com a esposa Maria Viola, já tinha nove filhos e aguardavam a chegada do caçula. Mais um Domingos na família, nascido em 1919. O filho homem mais velho Bruno Caffer agora contava com vinte anos completos, depois seguia uma fileira de irmãos com idade entre oito e dezenove anos. Era uma poderosa força de trabalho.  As famílias de Pietro e Domenico ainda mantinham um relacionamento contínuo, com visitas freqüentes entre seus membros, já que a Estrada de Ferro Mogiana ligava as cidades onde residiam as duas famílias. Já com Inocenzzo e Franchesco a coisa era muito diferente. Ao longo desses quase vinte anos após a separação das famílias, um ou duas vezes Pietro e Domenico visitaram Inocenzzo e Franchesco, que por sua vez ficaram no mesmo número de visitas aos primos.


                                                     Para chegar até Mirassolândia Domenico enviava uma carta a Inocenzzo com três meses de antecedência, informando o dia da viagem. Saia do sítio rumo a Sertãozinho bem de madrugada, onde às nove da manhã tomava o trem rumo a Campinas. Eram 350 Km e mais de doze horas de viagem. Na manhã seguinte outro trem de Campinas para Rio Preto. Mais 350 km, e mais de doze horas de viagem. Em Rio Preto, Inocenzzo ou um dos filhos aguardavam o visitante, que em um carroça seguia até a Fazenda Altamira ou Aroeira, numa outra viagem de cinco ou seis horas. Dessa maneira em uma viagem de uma semana dispunha de um ou dois dias apenas em companhia dos parentes.
                                                     Já Franchesco, menos compromissado com o trabalho, vez por outra arreava uma bela mula e seguia muito garboso ao encontro do irmão com o pala cheio de balas para a sobrinhada.
                                                     Pietro Caffer casou-se com Virgìnia Fortunato e foi com ela para uma propriedade que adquirira em Cravinhos, próximo de Ribeirão Preto. Ali também vieram seus primeiros filhos.
                                                     Franchesco Caffer continuava em Olímpia residindo em um pequeno quarto no Hotel Torquato, muito sossegado em seu estado de celibato e tornando-se a cada dia um homem de maiores posses na cidade. Vez por outra colocava as roupas em uma pequena mala e ia em viagem por uma semana ou mais em visita aos irmãos e sobrinhos. Fora essas pequenas viagens levava uma vida pacata cuidando de seus bens.
                                                     Se por um lado, os Caffer formavam uma família onde o trabalho era o objetivo principal, engajados na obstinação que trouxeram da Europa de conquistarem aqui tudo o quanto não obtiveram na Itália, por outro lado tinham seus lampejos de descontroles e de atitudes nem sempre aceita por todos. Tanto quanto trabalhadores, eram também violentos, de forma que não aceitavam desaforos nem desfeitas. Não se metiam na vida alheia, mas que ninguém ousasse invadir seus espaços. Se faziam feras na defesa daquilo que julgavam ser a sua verdade. Eram grandes defensores de suas famílias, de seus bens e dos valores éticos e morais vigentes na época. A medida que foram ficando mais velhos, se sentindo mais confiantes na nova terra, e se entregando ao vinho e a outras bebidas em doses cada vez maiores, apoiados pelas grandes famílias que os acompanhavam, se fizeram cada vez mais valentes, se metendo às vezes em encrencas de grandes proporções. Os filhos adquiriram essa rudeza e valentia, de maneira que sempre impunham respeito onde quer que
estivessem. A família toda adquiriu a fama de gente violenta, com quem era melhor não se meter.
                                                     Um fato que ilustra bem essa valentia e essa maneira de impor respeito àquilo que era seu deu-se na nova propriedade de Inocenzzo Caffer, a Fazenda Aroeira. Augusto, Benedito e João, os filhos mais velhos cuidavam de uma plantação para a subsistência da família, onde plantaram arroz, milho, feijão, mandioca, abóbora, etc. Enfim uma pequena roça bem diversificada que servia para o consumo da própria fazenda. Do outro lado do córrego da Aroeira se estabeleceu uma família de baianos e colocaram ali uma criação de porcos. Acontece que os baianos não cuidavam da manutenção dos seus chiqueiros e mangueirões, e os porcos fugiam, indo até a roça dos Caffer causando enorme destruição. Após muito prejuízo com os porcos soltos na roça, num sábado à tarde seguiram Augusto e Benedito Caffer até a casa dos vizinhos baianos a fim de reclamarem da situação. Nessas ocasiões se faziam pessoas muito finas e educadas e falaram com os vizinhos num tom amigável. Augusto tomou a conversa:
                                                      -Senhor Raimundo, “mientre” que a gente se “parla” muito pouco, temos muita consideração com o senhor e a sua família. Acontece que seus porcos tem destruido nossa roça. O senhor precisa fecha-los melhor. O baiano abriu um largo sorriso:
                                                      -Não, meus meninos. Os porcos que estão invadindo sua roça não são meus. Olha os meus porcos estão muito bem fechados. Aqueles são de alguma outra propriedade por aí.
                                                      -“Benne”, então os porcos que comem a minha roça não são seus...
                                                      -Não, não de jeito nenhum. Os meus porcos não saem de minha propriedade.
                                                      -Quer dizer que podemos dar um jeito nos porcos que estão nos incomodando. O senhor não tem conhecimento de quem são?
                                                      -Não, não tenho. Podem expulsa-los de lá da maneira como acharem melhor.
                                                      -”Benne, arrivedercci”. Até logo senhor Raimundo.
                                                       Pobre senhor Raimundo. Não sabia em que caixa de marimbondos estava mexendo.
                                                        Os dois irmãos voltaram ao lar e aguardaram nova investida dos suínos. No dia seguinte (domingo), Augusto alertou Benedito:
                                                        -É hoje que daremos um jeito na porcada. prepare a sua espingarda e junte toda a munição disponível. Alguns cartuchos já disparados foram recarregados e por volta das quatro da tarde seguiram para a roça os três irmãos. Augusto e Benedito se colocaram em posição estratégica bem aos fundos da roça onde os porcos deveriam sair para atravessarem o córrego da Aroeira, enquanto isso João Batista, o irmão mais jovem contornou a plantação e começou a espantar os porcos que se fartavam calmamente. Logo os primeiros porcos surgiram em disparada e encontraram a mira das espertas espingardas. Com o tiroteio a porcada toda fugia assustada e era impiedosamente abatida na saída da roça. Um a um os porcos invasores foram se amontoando em agonia enquanto os dois irmãos se encarregavam de não deixar escapar nenhum dos mais afoitos. Terminada a matança os três retornaram, enquanto as irmãs mais novas contavam as vítimas abatidas na roça. Setenta e dois porcos entre machos e fêmeas, grandes e pequenos.
                                                        Na manhã seguinte veio a cavalo o Senhor Raimundo até a Fazenda Aroeira. Foi atendido por Cezar Augusto, enquanto os demais ficaram de prontidão dentro de casa.
                                                         - Bom do senhor Augusto. Me disseram que o senhor matou alguns de meus porcos...
                                                         -“Nom capisco signore Raimundo”. Os porcos que matamos em minha roça não foram os seus. Foram aqueles que o senhor me informou ontem que eram de algum outro vizinho menos avizado. Claro, o senhor cuida muito bem de seus animais e devem estar muito bem fechados.
                                                         O pobre senhor Raimundo não pode argumentar muita coisa e partiu levando o prejuízo ainda maior. Veio para tirar satisfações e retornou sem poder reclamar nada. E ainda pior, nem veio em busca dos porcos mortos que poderiam ainda serem aproveitados. Deles nenhum proveito tiveram também os Caffer e quem se fartou nos dias seguintes foram pequenos carnívoros, gaviões e bandos de urubus que se serviram do banquete por toda a semana. 
                                                         Nessa época os Caffer se ocupavam na formação do primeiro cafezal na nova propriedade, e ainda não dispunham de chiqueiros para criação de porcos. Mas tinham ali nos fundos do quintal um pequeno cercado onde sempre tinham dois ou três porcos para consumo da família. O pequeno chiqueiro ficava uns 100 metros distante da casa principal, e numa noite quando chovia muito durante a madrugada os porcos gritavam muito. Como a gritaria não cessava, César Augusto colocou-se de pé munido da espingarda de fabricação alemã, que o pai trouxera da Europa e preparou-se para sair. Chovia muito e a noite era absolutamente escura, além disso a tocha da lamparina se apagava com o vendaval. Todos pensaram na possibilidade dos vizinhos estarem matando seus porcos em retaliação ao acontecido recentemente. Inocenzzo segurou o filho pelo braço e o impediu de seguir até o chiqueiro:
                                                        -“Occhio Guto”. Cuidado, de noite todos os gatos são pardos. Vamos aguardar a manhã. Assim fizeram. Mal amanheceu e todos correram para o chiqueiro. Que surpresa! Dos dois porcos apenas um restava, bastante machucado. E do outro lado uma enorme sucuri enrolada com mais de seis metros de comprimento, e com uma barriga enorme dormia calmamente. A cobra faminta, de barriga vazia entrara pelos buracos entre as estacas, mas depois com o porco dentro de si não conseguiu mais sair do chiqueiro aprisionando-se sozinha. Ali nunca se ouvira a palavra ecologia e não existiam leis de proteção aos animais, então a cobra foi impiedosamente sacrificada. O porco foi retirado ainda inteiro de dentro da cobra e seu couro enorme ficou muitos anos pendurado no paiol.
                                                       
                                                        Na Fazenda da Aroeira,  em Mirassolândia, Inocenzzo Caffer e Luiza Tomazzini tiveram os filhos mais novos e ali criaram toda a prole até a morte de Inocenzzo em 1932 no hospital Emilio Ribas em São Paulo. Os três filhos homens, desbravadores destemidos, davam total apoio ao pai na busca incessante por adquirir mais e mais bens. Nenhum deles jamais freqüentou nenhuma escola e o máximo que conseguiram aprender foi assinarem o próprio nome, a duras penas. Mas se lhes faltava conhecimento e saber, tinham fibra, rudeza e determinação em grande quantidade. Novamente se repetiam as dificuldades de encararem a mata bruta e virgem e aos poucos lapidarem tudo, transformando árvores frondosas em tábuas, em palanques e em esteios que mais uma vez sustentaram a família. Inocenzzo, agora mais experiente diante das dificuldades e contando com a inestimável ajuda dos filhos, derrubou bem depressa uma grande área de mata, transformando-a numa lavoura das mais diversificadas. O café ainda era o carro-chefe da produção, mas agora a diversificação se fazia presente com extensos arrozais, plantações de milho, feijão, frutas, hortaliças e outras. Por outro lado reservou uma boa área para pastagem e construiu currais e mangueirões para criação de suínos.
                                                         Nessa época o serviço de correios oferecia maior facilidade e rapidez na troca de cartas entre os parentes, e Inocenzzo exercitava o prazer que sentia em escrever e receber cartas dos familiares na Itália. Então o velho baú com os documentos guardados ficou abarrotado, tantas e tantas eram as cartas recebidas de parentes da Itália, da Áustria e da Alemanha. Era a total manifestação do paradoxo. Esse colono, rude, rabugento e agora muito beberrão se dava ao luxo de responder as correspondências no idioma que lhe eram dirigidas. Os acontecimentos pelo mundo, e principalmente pela Europa com o desenlace da primeira guerra mundial abasteciam de assuntos sempre muito interessantes essas correspondências.  Enquanto isso a fazenda se modelava numa beleza cada vez mais exuberante graças ao trabalho de toda a família. Inocenzzo aos poucos começava a sentir o peso de tanto trabalho, de tantas dificuldades, e aos poucos deixava os afazeres para os filhos. César Augusto gostava da lida com os animais, e conduzia com extrema sutileza os carros de bois pelos caminhos entre a fazenda da Aroeira e as cidades dos arredores, levando o produto da colheita.
                                                         Entre os anos de 1918 e 1927, Inocenzzo e a família se deram muito bem, e ganharam muito dinheiro com o trabalho duro. Como era costume dentro da família, esse capital era emprestado quase na totalidade a terceiros que lhes pagavam juros. Terminada a colheita de 1927 a família comemorava ao bons resultados, quando inesperadamente receberam a visita de Domenico e Pietro Caffer. Houve muita festa com a chegada dos dois a bordo da primeira jardineira muito rudimentar adaptada sobre o chassis de um caminhão, e que transportava os passageiros que vinham de trem até São José do Rio Preto e se dirigiam aos inúmeros vilarejos nas redondezas. Na verdade os dois primos vieram propor a Inocenzzo um negócio. A compra de uma grande fazenda de café na região de Bebedouro, que estava à venda segundo ambos por uma verdadeira pechincha. Inocenzzo diante do imenso trabalho que era conduzir a Fazenda da Aroeira recusou a proposta da sociedade, mas fez uma nova proposta aos dois primos. Em seis meses juntaria os capitais que tinha espalhado entre os inúmeros fazendeiros e comerciantes das redondezas, que somado ao juntado com a colheita daquele ano, mais umas reservas que tinha secretamente guardadas seria suficiente o bastante para que os primos adquirissem as terras. O valor emprestado seria restituído a Inocenzzo com juros, em cinco parcelas anuais, sempre após a colheita do café. Parecia o negócio perfeito, que não tinha como dar nada errado. Nenhum documento foi passado tal era a confiança entre os primos negociantes. Domenico e Pietro Caffer com as respectivas famílias deixaram os arrendamentos em Cravinhos e Ribeirão Preto e voltaram a Bebedouro, agora como proprietários da Fazenda Alvorada.
                                                         Ninguém esperava que o fortuito e o inesperado fosse transformar aquele empreendimento numa tragédia. Na verdade talvez tenha faltado aos Caffer,  conhecimento o bastante para compreenderem os rumos que tomaria o café do Brasil.
Na verdade, já há alguns anos os maiores importadores vinham deixando de adquirir o café do Brasil sob o pretexto da baixa qualidade, até mesmo devido ao adicionamento de terra e pedras para aumentar seu peso. Dessa maneira já na primeira colheita na Fazenda Alvorada, embora muito soberba em termos de quantidade, faltou-lhe o preço no momento da venda. O Brasil ainda exportava a duras penas a safra do ano anterior, e agora o Instituto do Café adquiria a nova safra que seria estocada para futuro escoamento. Isso pela metade do preço dos anos anteriores. Dessa forma Inocenzzo ficou sem receber a primeira parcela do empréstimo concedido aos primos.
No ano de 1929 a luta prosseguiu na lavoura, mas nos mercados financeiros de todo o mundo a crise se estabeleceu de maneira sem precedentes. E para piorar as coisas a crise não era mais um problema brasileiro com seu café de baixa qualidade. As bolsas de valores de todo o mundo despencaram levando famílias abastadas à completa miséria da noite para o dia. Por mais que o governo brasileiro tenha tentado angariar recursos no exterior para salvar nossa economia, não conseguiu nem um dólar, nem uma libra esterlina. Quando veio a colheita do café, a saca que fora vendida a 200 mil réis, dois anos atrás, valia agora menos de 20 mil réis. Foi a bancarrota.  Com a venda do café os irmãos Caffer não conseguiram nem mesmo cobrir as despesas com a sua produção, e se endividaram ainda mais para sobreviverem por mais um ano.
                                                         Essa tragédia que se abateu sobre a economia cafeeira teve desfechos trágicos e catastróficos, com diversos fazendeiros e barões do café cometendo atos de loucura, como o suicídio e o assassinato diante do desespero de se defrontarem com miséria repentinamente. O café amontoado nas fazendas ou queimado sem mais serventia provoca a ruína das famílias, a desonra e a desgraça dos trabalhadores, que se vêm na miséria da noite para o dia, causando a desonra os atos de loucura como aumento de baderneiros, de desempregados e de familias famintas.
                                                         Nesse contexto catastrófico vem a revolução de 1930, e Getulio Vargas foca a recuperação da sociedade arruinada na industrialização e na diversificação, deixando num segundo plano o café, que nunca mais se recuperou diante da economia mundial.
                                                         Foi necessário que Domênico e Pietro se desfazessem da Fazenda de seus sonhos para que fugisssem de uma situação ainda pior. O valor da venda diante do caos estabelecido foi de pelo menos cinco vezes menor que o valor pago, de maneira que o dinheiro recebido mal deu para cobrir as dívidas mais urgentes. Voltaram novamente à condição de arrendatários de terra.
                                                         Inocenzzo ficou sem ver um centavo do dinheiro emprestado, fruto do trabalho da família por anos a fio. E era consciente de que nada podia cobrar dos primos mal sucedidos na empreitada, que tratavam apenas de se restabelecerem com dignidade diante de suas familias. Jamais Inocenzzo dirigiu a Pietro ou Domênico uma cobrança sequer do dinheiro perdido, mas foi ficando a cada dia mais acabrunhado. Os filhos percebiam o estado de amargura do pai, mas não tinham como consolá-lo. Eram pessoas rudes, fortes, preparadas para vencer, não para as lamentações.
                                                          Durante essa fase difícil para os Caffer e para todo o povo brasileiro, em 1931, Cezar Augusto conheceu Maria Letícia Simonatto, e casou-se com ela em 31/07/1931.
                                                         O coração e o espírito de Inocenzzo já andavam cambaleantes e sentiram o golpe rudemente, como um nocaute numa luta. o, deixando num segundo plano o cafializaç              Nesse contexto catastrEsse fato deixou Inocenzzo muito triste e aborrecido, passando a ficar longas horas em seu pequeno escritório, em silêncio, relendo antigas cartas dos parentes,  e aos sábados quando ia até a pequena Mirassolândia, procurava os bares e bebia cada dia em maior quantidade.  Por um longo período viveu triste e sem conversar muito, depois aos poucos aparentemente assimilou a perda, mas trazia dentro de si uma ferida cruel, que o machucaria pelo resto da vida. Por diversas vezes fora vitimado com malária e outras febres estranhas, mas agora a febre contínua o prostrava, e durante a noite debaixo dos cobertores tremia como se alguém o chacoalhasse. Durante o ano todo pouco foi à lavoura, nem mesmo para contemplar o esplendor da florada que tanto o enchia de alegria e júbilo. Passou por diversos hospitais da região, que nada puderam fazer diante do quadro cada vez mais debilitado. Finalmente morreu no dia 14/11/1932, aos 57 anos no Hospital Emilio Ribas em São Paulo.

                                                        Logo após a morte de Inocenzzo, sua familia recebeu uma grata e inesperada visita. Era o primo Valentim Caffer que vinha à procura de um novo local onde pudesse se estabelecer com a família. Até então a parentela não tinha muita informação do paradeiro do primo Valentim. O que se sabe é que por volta de 1918, ele deixou os irmãos nos cafezais em Bebedouro e Cravinhos, e casando-se com a jovem Zelinda, mudou-se para Santos, abandonando a vida de colono. Em Santos exerceu a tarefa de agenciar grandes Hotéis e Cassinos existentes na época, ( uma forma inicial e rudimentar das agências de viagens e turismo),e trabalhava como agenciador, ou seja, buscava as pessoas mais abastadas que chegavam da Europa (já que falava o italiano com bastante fluência), e os barões do café, que buscavam o turismo hoteleiro de Santos, devido aos cassinos e casas noturnas, e as conduzia até os hotéis, cassinos, e outros locais de interesse dos clientes,  ganhando com isso polpudas comissões. Ocorre que a crise do café no final dos anos 20, que golpeou rudemente seus irmãos e primos, atingiu em cheio os hotéis da cidade portuária, que ficaram às moscas sem as grandes exportações, sem os barões do café e sem o glamour das grandes festas nos cassinos. Resultado: Valentim, agora com vários filhos pequenos, ficou sem trabalho inesperadamente. O único dos parentes que vieram com ele da Itália e que ainda possuía propriedades que pudessem lhe oferecer trabalho era Inocenzzo Caffer. Nesse ínterim, Inocenzzo morreu, entretanto seus filhos o receberam e ofereceram ajuda ao primo, que nas imediações da Fazenda Aroeira acabou por criar os filhos. Mais tarde os filhos de Valentim, já homens feitos, constituíram suas famílias e buscaram diferentes locais para se estabelecerem. A maior parte da familia radicou-se em Palmeira D’Oeste, onde ainda residem seus descendentes.
                                                        Mas a tragédia financeira que acometeu a família não se limitou a antecipar a morte de Inocenzzo. Apenas três meses depois, em 20/02/1933 um agravamento da tuberculose levou à morte Domenico Caffer num hospital de Bebedouro.
                                                        E ainda não foi só. Pouco tempo depois a morte ceifaria mais um da família Caffer, filho de Inocenzzo.
Fazenda da Aroeira que tinha agora um cultivo bastante diversificado. No ano de 1933 era farta a colheita do arroz e do feijão, então enquanto a família se ocupava freneticamente da colheita, César Augusto preparou a tropa e os carros de bois e seguiu à frente da comitiva rumo a São José do Rio Preto com a mercadoria já colhida e pronta para a venda. Era uma viagem de aproximadamente 35 km, mas que levava diversos dias tal era a lentidão dos carros de bois muito pesados, e a precariedade dos caminhos. Era uma tarde muito ensolarada e bois cansados da subida galgavam o alto do perímetro quando Augusto foi alertado por alguém da comitiva:
                                                        -Senhor Augusto, vem um cavaleiro a galope, lá bem distante, veja a poeira ao longo do caminho. Imediatamente foi dada a ordem de parada. As mulas foram descarregadas e os bois desatrelados dos carros. Em menos de dez minutos chegou o apressado mensageiro, e foi logo dizendo sem delongas ou rodeios:
                                                        -Senhor Augusto,volte imediatamente. Seu irmão João Batista morreu enquanto colhia arroz durante a manhã. Um dos peões mais experientes foi encarregado de continuar no comando da viagem até o destino, enquanto Augusto retornou a Mirassolândia para o enterro do irmão mais jovem. João Batista tivera um ataque fulminante enquanto colhia o arroz, morrendo sem balbuciar uma palavra sequer, com o ferro em forma de gancho em uma das mãos e um feixe de arroz cortado na outra. Naquele local foi erguida uma igrejinha onde durante muitos anos ficou conhecida como a Capelinha do Tio João. 
                                                        Quem morava na Fazenda da Aroeira e redondezas nem sempre tinha qualquer tipo de lazer nos feriados e fins de semana. Nos dias dedicados aos santos era diferente, sempre haviam terços, novenas, festas, etc. Ocasiões que os jovens aproveitavam para se conhecerem e iniciarem namoros, que não raras vezes acabavam em casamento. Ali, anos depois cresceram os filhos de Cezar Augusto e de Benedito Caffer, e nas adjacências da Fazenda várias outras famílias tinham filhos nessa mesma idade, e já não eram só italianos. Para ali vieram portugueses, espanhóis, austríacos, turcos, etc. Então muitos dos filhos dos italianos se casaram com pessoas dessas outras nacionalidades. Quando esses jovens se juntavam aos domingos, sem que houvesse qualquer outra diversão, faziam um grupo e caminhavam até a roça onde havia uma grande paineira bem em frente à capelinha do Tio João, e ali ficavam horas namorando e se divertindo sob o pretexto diante dos pais de estarem visitando e procedendo à limpeza da capela.
                                                      Quando completou um ano da morte do Tio João, a família pediu que fosse celebrada uma missa em sua memória. A família toda compareceu, e após a missa as mulheres se juntaram  às comadres e foram cuidar do almoço. Enquanto isso  Augusto e Benedito se dirigiram como de costume ao bar. Beberam várias doses sentados nos banquinhos em frente ao bar e de certa forma diante da alegria provocada pela bebida falavam pela primeira vez descontraídos a respeito do falecido.  Renderam-lhe as devidas homenagens como jovem honesto e trabalhador que sempre fora, e riram muito quando recordaram as trapalhadas do tio João com o serviço militar. Ocorre que o governo era muito rigoroso com esse serviço, até mesmo pelo estado de beligerância que o mundo acabava de viver com a primeira guerra mundial, e o Tio João Batista simplesmente desertou, não compareceu ao serviço militar. Diante do “desaparecimento” do aspirante as autoridades saíram à sua procura. Uma vez encontrado o reservista fujão foi conduzido a Campo Grande, onde obrigaram-no a prestar o serviço durante um ano em regime de semi-prisão.

                                                       Não obstante tantos infortúnios dentro da família, o destino ainda guardava mais um para prosseguir com seu ciclo destruidor, então a tragédia mudou-se para Olímpia. Ali Franchesco Caffer, um homem tranqüilo e pacato, muito bem situado financeiramente também foi violentado com a morte dos parentes. Já não vestia mais os ternos com gravata impecavelmente passados, mas vivia com roupas amarrotadas, a barba mal aparada, comia pouco e o dinheiro não lhe trazia mais nenhum prazer ou felicidade. Se punha numa das mesas num canto do restaurante do hotel, onde lhe serviam as refeições, das quais pouca coisa aproveitava. Na verdade aos poucos mudou muito a aparência, outrora bem cuidada, e se assemelhava agora a um simples coitado mal sucedido na vida. Certa vez pernoitou por ali um mascate de origem turca, muito falante e fazedor de pilherias, que durante o jantar passou a dirigir palavras ofensivas a Franchesco que, como sempre estava em seu canto, acabrunhado diante de seu prato de arroz, com batatas e um pequeno bife. Diante das ofensas proferidas, Franchesco foi tirar satisfações com o viajante, que dirigia palavras injuriosas sem saber ao próprio proprietário do hotel. Durante o bate boca, o mascate desferiu um tapa contra a face de Franchesco. (Isso não era coisa que um Caffer pudesse suportar). Já velho, sorumbático e sem forças não tinha como lutar contra o viajante, bem mais jovem, e mais forte. O velho Franchesco foi até seu quartinho de fundos e apanhou o revolver que trazia quardado que trouxe escondido sob o paletó. Voltando ao salão, foi à mesa do cidadão e solicitou-lhe que repetisse o que dissera. O homem não só repetiu as ofensas, como levantou o braço para espanca-lo outra vez, mas agora deparou com quatro tiros a queima roupa. Caído o mascate, Franchesco voltou à sua mesa, colocando o revolver sobre ela e sentou-se. Então ordenou aos empregados que chamassem a polícia.
                                                       Preso, Franchesco ficou diversos anos na cadeia, sem muito apoio familiar. Com o passar dos anos adquiriu um certo estado de demência que o levaram a ser transferido da prisão para o manicômio de Juquerí, onde morreu só e esquecido.
                                                       Desde a morte de Inocenzzo Caffer, a família ficou desprovida de pessoas que soubessem ler ou escrever com desenvoltura, então o velho baú aos poucos, alem do desinteresse da família quanto ao seu conteúdo, passou a ser motivo de medo e desconfiança para todos, que temiam haver ali guardado algum documento que pudesse causar dano à família e à liberdade de que dispunham. Então num belo dia de limpeza geral o pequeno escritório de Inocenzzo foi esvaziado e o velho baú repleto de cartas e documentos, já meio roídos por pequenos ratos que se aninharam em seu fundo, foi embebido em querosene e queimado no meio do quintal.
                                                       Que pena. Os ratos e o fogo acabaram com o tesouro. 

         

                                            






4 comentários:

  1. Faltou o Brasão da nossa família (Caffer), minha avó tem documentos da Itália com dados tambem, e o Brasão.. quando vê-la novamente tento lhe mostrar

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  2. quem esta tomando conta do belo trabalho do walter.falta a conclusão.

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  3. minha vo era filha do inocensio caffer .

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